O Estado de São Paulo:10.06.2019

É bom lembrar que o PIB do primeiro trimestre não caiu 0,2%. Esta é a variação dessazonalizada do produto em relação ao último trimestre do ano passado. Dessazonalizar é passatempo de economista. Tem lá seu sentido, mas é bom não perder de vista que os eleitores não usam modelos estatísticos para aferir seu bem-estar. O que vale para o afegão médio é um dia depois do outro. E, neste conceito mundano, o PIB entre janeiro e março foi 1,6% menor que o do último trimestre de 2018, que já havia caído 1,3% em relação ao trimestre anterior. O nível de atividade, em geral, cai no começo do ano, mas estes números chamativos dão uma melhor ideia do tamanho da encrenca. O que eles sugerem é que a recessão já está encomendada.

Fruto da crise fiscal, desde o começo de 2017 o controle de gastos do governo vem puxando sistematicamente o PIB para baixo. O grave aqui é que a emenda constitucional que limitou a expansão de gastos públicos aprovada em 2016 forçou cortes justamente nos investimentos, gastos que têm maior capacidade de alavancar a produtividade da economia e consolidar o crescimento no futuro. Fica claro hoje que o teto de gastos, tão incensado na sua aprovação, é nocivo se não for acompanhado por mecanismos legais que limitem o crescimento dos dispêndios obrigatórios. No biênio 2017-2018, as despesas com pessoal e encargos do Tesouro Nacional subiram R$ 40,1 bilhões, ao passo que os gastos com benefícios previdenciários aumentaram R$ 78,5 bilhões. Tivemos, apenas nestas duas rubricas, uma elevação de R$ 118,6 bilhões. Neste mesmo período, os impostos administrados pela Receita Federal aumentaram apenas R$ 85,3 bilhões. Ou seja, na ausência de regras que disciplinem os direitos que comandam os gastos, a mera imposição de um teto gera distorções. O governo não pode gastar, mas funcionários e aposentados tem o direito de receber. Sobrou para quem? Sobrou para o gasto discricionário em investimentos, justamente o de maior qualidade. O resultado é tenebroso. Os investimentos públicos em infraestrutura no ano passado não passaram de R$ 27,9 bilhões, ou 0,4% do PIB, o menor nível em dez anos. Estima-se que apenas para manter a infraestrutura existente o gasto deveria ser de 3% do produto.  Em relação a 2014, estes gastos caíram 63%. Claro que o investimento privado em infraestrutura tem um grande papel a desempenhar. Mas em nenhum país do mundo ele é protagonista. Sua função papel é sempre complementar até porque ele sempre estará limitado, por definição, pela lógica da rentabilidade em prazo relativamente curto. O quadro atual é de penúria. Estudo de 2017 do World Economic Forum classificou 137 países pela qualidade de sua infraestrutura. O Brasil ficou na 108ª colocação, com queda de 24 posições em relação ao ranking de 2010. Estamos atrás de Uganda (101º), Mongólia (105º) e  Zâmbia (107º). Nem no ranking mundial de rugby estamos tão mal (o Brasil é o 24º de 30 países).

O governo vende a ideia de que se a reforma da previdência for aprovada entraremos rapidamente em novo ciclo de crescimento. A fada da confiança, com sua varinha mágica, convencerá consumidores desempregados a gastar mais. Da mesma forma, empresários ficarão encantados e aumentarão a capacidade produtiva, mesmo que não consigam fazer uso da capacidade hoje existente. É um devaneio, não vai acontecer, mas se assim fosse bateríamos de frente logo em seguida com o gargalo da infraestrutura, algo que só não se manifesta com maior clareza porque a economia está largada. É hora de rever a emenda constitucional de 2016 e discutir, sem paixões, a retirada dos investimentos federais em infraestrutura da limitação do teto de gastos.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com