O Estado de São Paulo:27.05.2019

A política industrial ressuscitou, para espanto de quem achava que a crença inquebrantável no livre mercado era uma conquista definitiva da civilização. O Ministro da Economia anunciou recentemente que o governo deverá ter um papel ativo na promoção do desenvolvimento de setores industriais selecionados. O objetivo é preparar o país para o enfrentamento de condições de concorrência mais acirradas contra empresas americanas e chinesas, países onde o papel do Estado na defesa da indústria nacional é marcante. Até mesmo um fundo com recursos públicos pode ser criado para evitar que empresas sejam compradas por concorrentes estrangeiros. Espera-se elevar a participação da indústria no PIB para 25% em 2030.

Isto aconteceu na Alemanha. Os alemães, diga-se, nunca beijaram com fervor a cruz do livre mercado. É de lá que vem o conceito um tanto eclético de “ordoliberalismo”, cunhado pelo economista Walter Eucken. Para ele, o Estado deve disciplinar e moldar o mercado através de normas gerais que garantam a concorrência, o que não se coaduna com o liberalismo radical  de Hayek ou Friedman. Ainda assim, ao lançar sua proposta de política industrial, Peter Altmaier, o ministro deles, deu uma guinada na orientação da política econômica e assumiu que o Estado deve ter um papel mais ativo. Foi apedrejado pelos analistas mais conservadores, mas o debate está posto.

Enquanto isto, em um certo país tropical a indústria derrete ao sol da incúria. A produção industrial brasileira do primeiro trimestre de 2019 atingiu o nível mais baixo desde 2004. Em março último, a indústria produziu 23% menos que em março de 2010. No caso de bens de capital, a queda foi de 36%. São números de magnitude quase  venezuelana. Depois de bater 3,9% em abril de 2018, a variação em doze meses da indústria recuou e voltou a ser negativa em março, o que sinaliza que 2019 será mais um ano perdido para o setor. No longo prazo, o quadro é ainda mais lúgubre. Estudo do IEDI (Análise IEDI, 26/3/2019) mostra que a participação da indústria no PIB é hoje a menor desde 1947, quando o índice começou a ser calculado. Muito se fala sobre a inevitabilidade da queda da participação da indústria, já que, na margem, é o setor de serviços que tem comandado o crescimento de todas as economias. Mas dados do Banco Mundial registram que em 1991,ano em que começa a série histórica, a participação industrial no PIB alemão era de 24,9%%, não muito diferente do indicador para o Brasil, 22,1%. Em 2017, o mesmo índice para a Alemanha foi de 21,1%, ao passo que no Brasil despencou para 10,5%.

A experiência recente de política industrial brasileira foi nefasta. Em linhas gerais, não passou da captura do Estado por lobbies poderosos, que dele extorquiu privilégios na forma de juros subsidiados, incentivos fiscais e reservas de mercado. São benesses pagas pelo cidadão, seja como contribuinte, seja como consumidor. Seria um enorme retrocesso reintroduzir esta prática, até porque o exemplo recente da indústria automobilística mostra que os setores organizados são insaciáveis. Mesmo assim, ignorar a necessidade de uma ampla discussão a respeito de políticas industriais transparentes pode sair muito caro.  Em que pese a pregação semi-religiosa de que se o Estado sair da frente o mercado resolve tudo, os países ricos cada vez mais adotam medidas de incentivo ao setor industrial. A proposta de Altmayer pode ser equivocada, mas discutir o futuro da indústria brasileira precisa deixar de ser um tabu. A Alemanha já nos mostrou como se joga futebol. É tola presunção acreditar que eles não tenham nada a nos ensinar em matéria de progresso econômico.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com