O Estado de São Paulo: 01.04.2019
Já estava tudo combinado com os russos. A economia mundial cresceria mais e o PIB brasileiro avançaria em 2019 a um ritmo que seria mais que o dobro do que tivemos no ano passado. Após a aprovação da reforma da previdência, a fada da confiança de Paul Krugman surgiria no crepúsculo em Brasília para conceder três desejos. Bolsonaro, claro, que não é bobo nem nada, pediria o fim do desemprego, o aumento da renda e a redução da pobreza. Assim a vida seguiria, na dulcíssima visão de futuro que o mercado financeiro acalentava no final do ano passado.
Só que não. Para começar, o cenário internacional azedou. Nos EUA, as taxas de juros dos títulos americanos de 3 meses superaram pela primeira vez desde 2007 as taxas de 10 anos. Não é uma fatalidade, mas esta inversão precedeu todas as recessões desde o final da Segunda Guerra. Aqui, os indicadores que não derrapam, patinam. A variação de 12 meses contra mesmo período anterior da indústria de transformação chegou a 4,4% em abril de 2018, mas foi caindo, caindo, e fechou janeiro com apenas 0,4%. O índice de fevereiro deve ser negativo. O volume de vendas no varejo, na variação anualizada, bateu 3,8% em março, mas também vem recuando e registrou 2,2% em janeiro. O número de pessoas desocupadas voltou a subir no começo do ano depois de nove quedas mensais. No mercado com carteira assinada, o total de vagas criadas vem subindo e alcançou 490 mil nos doze meses até fevereiro. A notícia é boa, mas neste ritmo serão necessários mais de seis anos para recuperar o total de postos de trabalho fechados entre 205 e 2017. O governo brasileiro não tem este tempo – nenhum governo tem. Uma pequena aragem vem do crédito. O pulso ainda pulsa. O total de concessões, deflacionado pelo IPCA, caiu 30% entre 2015 e 2016, mas está crescendo agora a um ritmo de 8% ao ano. Esta é uma pequena fresta por onde poderá passar alguma esperança de retomada do crescimento. A expectativa de inflação continua baixa e a desaceleração da economia poderá torna-la ainda menor. Há oportunidade para o Banco Central cortar os juros. Há também espaço para se reduzir os depósitos compulsórios, de forma condicionada à renegociação de dívidas, e estimular algum crescimento do consumo através do crédito.
São medidas marginais, subsidiárias à tarefa maior que se impõe. Nenhuma iniciativa fará sentido se o governo não for capaz de levar adiante a reforma da previdência. É aqui que a coisa aperta. É desconcertante a falta de habilidade do Palácio do Planalto para negociar algo que seja, ao mesmo tempo, palatável para o Congresso e satisfatório para as contas públicas. Tudo indica que o presidente não se deu conta de duas restrições elementares. A primeira é que o tempo joga contra seus interesses. Com a economia perdendo fôlego, em algum momento os 12,7 milhões de desempregados começarão a demonstrar sua insatisfação. A maior parte dos eleitores de Bolsonaro não está interessada na banana do Equador ou no muro do México. Pouco se importam com o globalismo cultural, seja lá isto o que for. Eles querem apenas uma vida melhor. A segunda restrição decorre de uma ingenuidade pungente. O governo parece não entender que ele, não o Congresso, é o maior interessado na reforma da previdência. Será dele o principal benefício se for aprovada uma versão razoavelmente parecida com a proposta original. Será ele o único culpado se não tiver êxito no convencimento dos parlamentares. Sem Bolsonaro saber o que deseja e sem buscar aquilo que é do seu próprio interesse, nem a fada da confiança poderá dar conta do recado. O candidato Jair Bolsonaro precisa entender que a eleição acabou e ajudar o presidente da República.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com