O Estado de São Paulo:18.02.2019

A crise que vem devastando a indústria brasileira tem proporções venezuelanas. Até que a produção industrial deu um suspiro em 2017. Cresceu 2,5%, depois de uma queda acumulada de 16,7% entre 2014 e 2016. Medida pela variação acumulada em doze meses, a produção continuou subindo no começo de 2018 e bateu 3,9% de alta em abril, a taxa mais alta desde junho de 2011. Parecia o início de uma gloriosa retomada. Só que não. A partir de abril, o crescimento foi minguando e fechou o ano com variação de 1,1%, menos da metade de 2017. Com isso, a produção industrial de 2018 foi menor que a de 2005. Treze anos perdidos.  Entre 2008 e 2018, o volume de vendas do comércio aumentou 35%, ao passo que a produção industrial recuou 11%. A indústria brasileira está se exaurindo.

O debate sobre desindustrialização no Brasil é bastante acirrado, quando não feroz. Há quem mitigue seus efeitos lembrando que em outros países o peso da indústria também está caindo ou que a queda da participação não é tão grande se levarmos em conta a evolução dos preços relativos. Os mais aflitos com a situação gostam de lembrar as leis de crescimento de Kaldor, um dos mais importantes economistas do século XX, para quem o crescimento do PIB depende essencialmente do avanço da indústria, setor que apresenta, ao contrário da agricultura, rendimentos crescentes de escala. A indústria teria efeitos de encadeamento mais poderosos do que outros setores, capazes de dinamizar o restante da economia e assegurar taxas mais altas de crescimento. De fato, com poucas exceções, o desenvolvimento dos países hoje ricos está altamente correlacionado com o avanço da indústria. Deste diagnóstico decorre a visão que prega a necessidade de um conjunto articulado de ações governamentais direcionado a estimular este setor. Uma boa amostra desta discussão pode ser encontrada no livro “O Futuro da Indústria no Brasil: Desindustrialização em Debate”, de Monica de Bolle e Edmar Bacha.

A indústria sonha com subsídios, redução da carga tributária e estímulos creditícios. Sonha em vão. No contexto atual, nem uma fada madrinha poderia atender estes desejos, em que pese o fato de países ricos adotarem estas medidas (a Foxconn recebeu há pouco subsídios de US$ 4,8 bilhões do Estado de Wisconsin). Não só não há dinheiro para benesses, como a orientação do novo governo assume um certo darwinismo econômico. Isto é bom para rechaçar ameaças que soam como chantagem, como no caso da GM recentemente, mas pode ser fatal se a dose for excessiva. A abertura da economia é imperiosa, mas faze-la sem o cuidado de estabelecer uma política cambial competitiva e sem políticas que estimulem o aumento da produtividade é pura eutanásia. Pode-se pensar que tudo será diferente com a aprovação da reforma da previdência. De fato, se o governo parar de se enredar nas confusões que ele mesmo cria, algum tipo de reforma tem tudo para ser aprovada. Mas é falsa a ideia de que aprovada a reforma uma pletora de capitais estará sendo alocada para novos investimentos, o que dinamizaria a produção industrial. Este raciocínio pode valer para a Bolsa de Valores, onde o arrependimento é menos oneroso, mas investimentos produtivos requerem maior reflexão, até porque existe hoje uma enorme capacidade ociosa. Sem novas regras para a Previdência entraremos em um labirinto escuro, mas a aprovação da reforma não garante uma retomada automática da economia. A recuperação será lenta, necessariamente. A indústria desacelera, murcha e definha. O crescimento esboçado no ano passado se esvai, ao passo que o governo se atrapalha na gestão básica de seus próprios interesses, tornando tudo desnecessariamente mais difícil. Tempos bicudos.

Economista. Foi  diretor de política monetária do Banco Central  e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com