O Estado de São Paulo:12.11.2018
Conceitos básicos da teoria econômica podem ser expandidos para ajudar a entender fenômenos que não tem originalmente nada a ver com o objeto de análise típica dos economistas. Gary Becker ganhou o prêmio Nobel de Economia com trabalhos pioneiros que faziam uso de ferramentas típicas de análise econômica para estudar temas como discriminação social ou criminalidade. As dificuldades que o presidente eleito enfrentará talvez possam ser mais bem compreendidas se fizermos o esforço de seguir na mesma trilha.
A primeira peça no quebra-cabeças é a definição da função objetivo, conceito de programação linear, que deve ser maximizada sujeita a determinadas restrições. Parece razoável (e a razoabilidade é aqui apenas uma hipótese) que Bolsonaro tenha como meta fazer um bom governo e que a medida de seu sucesso será a possibilidade de ser reeleito em 2022 – ou escolher seu sucessor. As restrições são múltiplas, não só as de natureza orçamentárias. Será preciso, por exemplo, guardar observância às atribuições dos poderes e das instituições, algo sobre o qual o presidente eleito tem convicções menos que absolutas. O segundo passo é definir um conjunto de desejos, que não sejam contraditórios, e fixar uma ordem de preferência. Do que precisa o novo governo para conseguir o seu objetivo? Crescimento econômico parece fundamental, assumindo (aqui vai outra hipótese) que a sensação de bem-estar provem da prosperidade material dos eleitores. Cabe a seguir avaliar a relação custo-benefício do enorme cardápio de medidas sugeridas durante a campanha. O último passo é aferir o capital político do novo governo. O que ele pode oferecer aos parlamentares em troca do que deseja? Ser ungido pelo voto popular não basta. A aprovação de medidas impopulares implica negociar com deputados e senadores, que se pautam por uma outra equação e querem vantagens – tipicamente na forma de aprovação de emendas e indicação de cupinchas para cargos no governo. Abrir mão deste estratagema na negociação contraria a lógica econômica e é duvidoso que se possa angariar apoio na opinião pública que seja capaz de mais do que compensar a perda desta moeda de troca. Aqui também o raciocínio é objetivo. Trata-se de alocar o capital político – finito, por definição – na aprovação de medidas que gerem maior retorno, considerando o objetivo que se deseja maximizar.
Neste contexto, o que fica claro é que é urgente abrir mão de propostas que são muito onerosas e que não trazem benefício evidente. Transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, por exemplo, é exuberante estultice. Perde-se muito e o ganho é imperceptível. Com menor intensidade, na área econômica, também não vale a pena gastar votos para aprovar agora o projeto de independência do Banco Central ou investir capital político em uma improvável reforma tributária, cujo debate ainda está em fase embrionária, principalmente quando se considera que não há hoje como reduzir a carga de impostos. Se a escolha for baseada em critérios objetivos, a prioridade absoluta deve ser dada à reforma da Previdência. Isto poderá ajudar o novo governo a comprar mais tempo para enfrentar outras questões espinhosas. Serve qualquer reforma, desde que não seja pior que a última versão da reforma proposta pelo governo Temer e possa ser vista como um passo para um sistema mais justo e menos oneroso. Aprovar uma nova Previdência é a fresta hoje disponível por onde o novo governo pode escapar para um espaço mais amplo, onde terá mais chance de acomodar suas próprias contradições. Claro, sempre na hipótese de que Bolsonaro fará escolhas racionais, buscando seu próprio interesse.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com