O Estado de São Paulo: 01.10.2018
“Não aprenderam nada, não esqueceram nada”. A frase atribuída a Tayllerand sobre os Boubon é inevitável diante da ausência de menção no programa de governo do PT à necessidade urgente de uma reforma da previdência. Não há no documento explicação a esta lacuna, mas as entrevistas do candidato e seus economistas sugerem que a omissão fia -se em três argumentos. O primeiro é que o déficit da previdência é resultado da queda da arrecadação, que por sua vez pode ser explicada pela recessão. Estivéssemos crescendo, o déficit não existiria. O segundo argumento é mais prosaico: chamamos de despesa previdenciária, dizem, o que na verdade é assistência social. Se mudarmos estas despesas de lugar, o déficit vai cair. Por fim, fala-se que o aumento das despesas tem relação com a antecipação dos pedidos de aposentaria de pessoas que estão assustadas com a própria discussão a respeito da previdência. Há grãos de verdade nestas alegações. Mas elas servem apenas para constatar a trivialidade que o déficit, em outras condições, seria menor. Não invalidam o fato que a previdência, nos moldes atuais, é absolutamente insustentável.
A arrecadação do regime geral caiu 10,4% em termos reais no biênio 2015-2016. Se tivesse aumentado, por exemplo, 2% ao ano, o déficit da previdência no ano passado teria sido algo como R$ 70 bilhões menor – mas ainda assim gigantesco. Acreditar que o crescimento é a solução esbarra em um falso silogismo. Aqui há dois equívocos imbricados: (i) como o crescimento adia, mas não evita o colapso, o mercado tende a ‘descontar’ no tempo e antecipar os efeitos desta inconsistência ; (ii) como ninguém se deixa enganar, não há como lançar a economia em um ciclo de crescimento sustentável sem enfrentar a questão da crise fiscal, que pressupõe o ajuste da previdência . Ou seja, sem antes equacionar a crise fiscal, a tentativa de relançar a economia em novo ciclo de crescimento baterá de frente no muro da inconsistência lógica e redundará apenas em mais inflação. A ideia de que tudo se resolve com crescimento é tão ingênua quanto falsa, já que não há crescimento possível sem o equacionamento dos problemas que ele deveria resolver. Mudar as despesas de lugar, por sua vez, e chama-las de um nome diferente não vai torna-las menor, nem prover o seu financiamento. Ao fim e ao cabo, são despesas que devem ser financiadas pelo contribuinte. Também não é difícil comprovar que a crise da previdência não foi provocada pela discussão sobre as possíveis alterações de suas regras. A antecipação de despesas não altera a fatalidade imposta pela demografia: o Brasil envelheceu antes de ficar rico e nosso regime previdenciário é uma bomba relógio pronta para explodir no colo do próximo presidente (as vítimas seremos nós).
Esta falta de cerimônia no trato do déficit previdenciário tem implicações políticas de primeira grandeza. Se for eleito presidente, Fernando Haddad terá uma escolha importante a fazer. Poderá abjurar a complacência fiscal e se reconciliar com os fundamentos da matemática, caso em que poderá ampliar seu espaço de manobra e garantir um mínimo de governabilidade. Beijar a cruz da austeridade fiscal soaria falso, mas é crucial propor imediatamente uma reforma previdenciária nos moldes do que já discutiu até hoje. Se, no entanto, continuar acreditando na tese abstrusa de que mais gastos públicos poderão girar a roda da economia e que o crescimento se faz com irresponsabilidade fiscal o novo governo assumirá já em estado de combustão espontânea. Ignorar que a reforma da previdência é impreterível é socialmente injusto, economicamente lesivo e politicamente desastroso.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com