O Estado de São Paulo: 06.08.2018
Os usuários da Bloomberg receberam na semana passada um interessante artigo sobre o crescimento na captação de recursos de fundos que investem em países emergentes. Escrito em linguagem objetiva, o texto informa a evolução destes investimentos e apresenta uma breve análise por países e regiões. Onde está a novidade ? O que o artigo tem de diferente é que ele foi escrito por um robot . Não, evidentemente, um robot antropomórfico como no desenho dos Jetsons, mas um sistema automático que prescinde da ação humana para gerar textos , feitos em menos de um segundo. O robot é capaz de gerar milhares de textos por dia, sem pausa para cigarro e café. Também o próprio sistema seleciona os usuários que, a julgar pelo perfil de utilização dos terminais, têm maior interesse pelo tema, o que eleva a chance de ser lido. O texto não tem ‘insights’, não tem verve nem humor – mas certamente tiraria uma nota muito alta na prova de redação do Enem.
Alguém argumentará que um artigo escrito por um robot livrará os profissionais de redigir um texto banal, liberando tempo para ‘pensatas’ de grande significado revolucionário. Pode ser. Mas esta novidade também implica uma revolução na própria evolução profissional do jornalista. É provável que o melhor jornalista econômico do mundo tenha começado sua carreira décadas atrás preparando análises simples como as que hoje são feitas automaticamente pelos sistemas. Como começará hoje a carreira do jornalista aclamado de 2040? Primeira conclusão: o processo de automação não é novo, mas vem adquirindo recentemente um potencial disruptivo que pode abalar de forma definitiva várias carreiras profissionais.
A segunda novidade é brasileira. O sistema educacional brasileiro sempre teve a característica de fomentar a desigualdade, dada a precariedade do ensino público fundamental. Houve um tempo em que a exclusão era absoluta. O censo de 1906 revela que 74,6% dos brasileiros eram analfabetos. Nas últimas décadas, vimos uma expansão da cobertura, ao custo da baixa qualidade, o que pouco alterou as chances de sucesso de uma criança talentosa que tenha nascido em uma família pobre. O elemento novo que vemos hoje é a criação de escolas de elite quase inacessíveis. Em São Paulo, por exemplo, escolas deste tipo podem cobrar mensalidades que excedem R$ 10 mil para um aluno de 6 anos em período integral, o que exclui mesmo as famílias de classe média que antes podiam mandar seus rebentos para escolas de ponta. Segunda conclusão : este novo fenômeno vai abrir ainda mais o gap entre o nível educacional dos jovens ricos e pobres.
Quando estas duas novidades – inevitáveis e irrefreáveis – são combinadas o quadro que resulta é nefasto para o Brasil. Estamos formando uma diminuta casta de jovens que vai acessar o mercado de trabalho depois de ter acesso a uma formação que os colocará entre os melhores da elite mundial. Serão eles a comandar a automação. Darão ordens aos robots. Na outra ponta, o progresso tecnológico caminha na direção de excluir do mercado de trabalho não só as pessoas sem qualificação – estas já estão excluídas – mas também as que tem qualificação mediana. Trabalhos intelectuais de menor complexidade, que hoje servem como porta de entrada para uma grande quantidade de carreiras profissionais, tendem a ser gradualmente extintos.
Em tempos de campanha presidencial, é imperativo que os candidatos expliquem seus planos para a educação pública. Gastamos pouco e gastamos mal. O resultado é uma sociedade caracterizada pela exclusão e pela desigualdade. O avanço das novas tecnologias pode transformar o que já é ruim em uma distopia de ficção científica.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com