O Estado de São Paulo: 27.11.2017

Em livro recente (“Economics for the Common Good”, 2016), Jean Tirole, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2014, aborda uma tema que nos assola : o fascínio que as ideias erradas sobre a economia exercem sobre a maioria das pessoas. Todos nós, diz ele, estamos prontos a acreditar naquilo que queremos acreditar, desprezando as evidências de um raciocínio mais elaborado. O que vemos reflete o que somos.  Nossa intuição é enganosa. A ciência econômica é uma lente que corrige nossa visão deturpada e nos permite enxergar do outro lado do espelho. Este raro panegirico aos economistas vem a calhar neste início de campanha presidencial. Nem tudo é desalento na “ciência triste”, como a Economia era chamada por Thomas Carlyle.

Debates eleitorais podem ser um campo fértil para a proliferação de equívocos. Muito já se disse sobre as semelhanças entre a eleição presidencial de 1989 e a de 2018. Mas há uma diferença crucial. Em 1989, o cerne da crise era a dívida externa. Era fácil e inevitável apontar o dedo para os credores internacionais e o FMI. A culpa era dos outros. Agora é a crise deriva do desequilíbrio fiscal e a culpa é só nossa. Somente no Governo Central o déficit nominal acumulado em doze meses supera R$ 530 bilhões. A despeito das odes do governo Temer em louvor da austeridade, desde sua posse a dívida bruta aumentou R$ 675 bilhões, ou 5,3 pontos percentuais do PIB. Atacar este problema exigirá revisão de direitos e aumento de impostos.  Mas ninguém poderá angariar a simpatia do eleitor falando sobre isto. Em campanha, fala-se o que se quer ouvir, não o que os números evidenciam. Melhor brandir a tese de que basta combater a corrupção e os privilégios. Como nenhum eleitor se considera corrupto ou privilegiado, achará que o problema não é dele. Mais fácil pensar que a culpa ainda é dos outros.

Outra ideia que já se insinua (o PT gosta dela) é a falácia de fazer uso das reservas internacionais para custear as graves deficiências nos serviços públicos. Os hospitais não tem dinheiro? A educação está à deriva ? Pois então por que manter reservas internacionais de R$ 380 bilhões?  Por que não usar esta dinheirama?  De fato, é preciso conceder que as reservas internacionais brasileiras são muito elevadas. Em estudo publicado em março de 2017, a Instituição Fiscal Independente lista doze métricas usuais para o nível adequado de reservas internacionais e conclui que todas elas exigem um volume menor que o atual. O problema de reservas excessivas é o seu custo fiscal. Quando, por exemplo, um investidor externo ingressa com US$ 1 bilhão, estes dólares são convertidos em reais, o que aumenta a liquidez do mercado interbancário. Para enxugar esta liquidez adicional o Banco Central vende títulos públicos, com o que regula a taxa de juros em torno da meta definida pelo Copom. O saldo é um aumento tanto das reservas como da dívida pública. Como a rentabilidade das reservas é muito menor que o custo da dívida interna, perde-se dinheiro acumulando reservas. A contrapartida, no entanto, é blindar o Brasil de ataques especulativos sobre a moeda. Sem solução à vista para a crise fiscal, o real estaria sujeito a forte desvalorização, não fosse o poder dissuasivo das reservas. As reservas não são uma ‘poupança’. São apenas um ativo do Banco Central ao qual pode corresponder uma obrigação. Quando, mais adiante, este investidor quiser repatriar recursos, reclamará de volta os dólares que um dia trocou por reais. Este dinheiro não é nosso.

É tolice esperar sensatez das ideias econômicas debatidas em campanha eleitoral. Nestas épocas, o que vale mesmo são as impressões heurísticas, que reforçam preconceitos e analogias espúrias. Falar de sacrifícios e dificuldades não rende votos. Fiquemos preparados para as esquisitices.  Começou a temporada das falsas soluções.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com