O Estado de São Paulo : 03.04.2017

Mede-se tudo nos Estados Unidos. Sabe-se, por exemplo, que 42% das pessoas acreditam em casas mal- assombradas,36% aceitam a telepatia e 33% creem ser possível um contato com seres extra terrestres.  Michael Shermer escreveu um livro imperdível (“Why people believe weird things”), para explorar este tema. Uma das constatações mais interessantes, que contraria o senso comum, é que a tendência à crendice  não guarda correlação com o nível educacional. Não há evidência estatística de que pessoas com maior nível educacional ou com QIs mais altos sejam imunes a acreditar em ideias estrambóticas. No Brasil, mede-se pouco. Mas há muita gente que acredita no Boitatá ou no Saci Pererê. Mais impressionante ainda, há quem acredite que a previdência social não é deficitária. É difícil entender porque algumas pessoas, que não são ignaras, se apegam a teses anômalas. Para Shermer, elas advogam teses disparatadas apenas porque tem a habilidade racional de defender esta crença, à qual chegaram por motivos irracionais. O economista polonês Kalecki tem um explicação um pouco diferente. Para ele, teses absurdas podem ser longevas quando duas condições são satisfeitas. A primeira é que a ideia não contrarie o senso comum. A segunda é que ela atenda interesses específicos de algum grupo social. O geocentrismo, por exemplo, durou séculos porque estava escorado nos cânones do Cristianismo e também porque estava em conformidade com a experiência quotidiana do homem comum que, afinal de contas, “via” todos os dias o sol girar em torno da terra.

Entre nós, a crendice de que a previdência não gera déficit  claramente atende aos interesses de uma pequena – e ruidosa – parcela de apaniguados , que usam suas habilidades racionais para explicar esta irracionalidade. Ao mesmo tempo, esta tese vai ao encontro do senso comum de quem não é afeito a números e letras e acredita que o déficit público é causado apenas pela corrupção e pela incompetência na gestão da coisa pública. O apego a crendices econômicas nos levou aonde estamos. Manipulações contábeis não vão nos livrar da imperiosa necessidade de reformar um sistema cuja generosidade é incompatível com nossas condições econômicas. A idade média de aposentadoria no Brasil está em 59 anos, contra 72 anos no Chile, 71 anos na Coreia e 69 no Chile. O brasileiro não só se aposenta mais cedo como ganha mais, relativamente. A aposentadoria média entre nós alcança 86% do salário de quando a pessoa trabalhava, contra 36% no Japão, 42% na Alemanha e 43% nos Estados Unidos. Se , ainda assim, a aposentadoria é baixa é porque somos pobres. Gastar mais do que podemos não nos deixará ricos.

Há quem diga que é a Previdência é uma bomba prestes a explodir. Não é verdade. Ela já explodiu. No ano passado, os benefícios previdenciários alcançaram R$ 507,9 bilhões, o que representa um crescimento de 29% em relação ao ano anterior. O déficit da Previdência praticamente empatou com o déficit primário do Governo Central. O quadro só não é desesperador, como em alguns Estados, porque o governo federal não tem limitação legal para emitir dívida. Como proporção do PIB a dívida pública bruta saltou de 52% no final de 2013 para 70% em dezembro último. A dívida pública está fora do controle, o que aumenta a percepção de risco, eleva os juros e atravanca o crescimento.

A aprovação de um novo regime previdenciário é crucial. Seu adiamento ou a sanção de uma versão mutilada pode custar muito caro. É tempo de esquecer as crendices e enfrentar a realidade. A conta chegou. 

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com