O Estado de São Paulo : 20.03.2017
No sufoco da recessão mais dramática que se tem registro na história do Brasil, uma pequena lufada de vento sugere, timidamente, que o pior já passou. A inflação despenca, a bolsa sobe, a produção industrial dá sinal de vida e os juros caem. Opa, melhor olhar de novo. Os juros caem? Será mesmo? Não há dúvida, claro, que o Banco Central já reduziu e vai continuar reduzindo a taxa Selic. Mas os juros cobrados pelos bancos continuam nas alturas. Em janeiro último, a taxa média cobrada para empréstimos não direcionados de pessoas físicas cravou 72,7%. Esta é a média. As taxas cobradas no cheque especial, por exemplo, estavam em 328%.
Quando o Banco Central desistiu de sua estratégia suicida em abril de 2013 e iniciou um novo ciclo de alta da Selic, o spread para pessoas físicas era de 25,4 pontos percentuais. O ciclo de alta durou até julho de 2015, quando a Selic estacionou em 14,25%. Neste período, a spread acompanhou a trajetória de alta da taxa básica e subiu para 46,4 pontos percentuais. Ou seja, a Selic subiu 7 pontos; o spread foi elevado em 21 pontos, três vezes mais. Vamos adiante. Entre julho de 2015 e outubro de 2016, a Selic ficou estável em 14,25 %. Mas o spread continuou subindo e superou 60 pontos percentuais quando o Banco Central começou o atual ciclo de corte de juros. Desde outubro do ano passado, a taxa Selic vem caindo. O spread baixou? Não. Em janeiro de 2017, o spread era de 61,2 pontos, até um pouco maior do que era em setembro do ano passado. Conclusão: quando a Selic sobe, o spread sobe, mas quando a Selic para, o spread continua subindo. Mais: quando a Selic cai, o spread fica estável. Alguém poderia argumentar que o spread responde à variação da inadimplência e não da taxa básica. Na recessão, o calote sobe e os juros tem que subir também para defender sua margem de lucro. É uma boa tese. Mas, da mesma forma que a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer, aqui também os fatos desmentem a teoria. Em 2013, pelos dados do próprio Banco Central, quando o spread bancário para pessoas físicas era de 26,3 pontos, a inadimplência média foi de 4,8%. Em 2016, a inadimplência caiu para 4,2% – mas o spread médio subiu para 58 pontos, mais que o dobro.
Há quem atribua este descompasso à ganancia dos bancos. Mas isto não tem nada a ver com o segundo pecado capital. O preço do dinheiro é formado como o de qualquer outro produto ou serviço. Ele depende da estrutura concorrencial do mercado, do grau de importância do que está vendo vendido e a possibilidade de obter produtos substitutos (isto é, da elasticidade preço da demanda, no jargão dos economistas). Temos hoje no mercado bancário um oligopólio onde a pequena transparência entre as condições de oferta reduz enormemente o poder de barganha do consumidor. É fácil comparar e escolher na prateleira do supermercado a marca de suco de laranja que tem o menor preço. Com juros bancários isto é impraticável. É ingenuidade condenar os bancos por sua avareza . A precificação dos empréstimos obedece a uma lógica objetiva, determinada pelas condições de mercado. Tabelar juros seria uma aberração. Mas ganharíamos todos se o Banco Central determinasse aos bancos duas medidas objetivas: a simplificação dos procedimentos para encerramento e transferência de uma conta bancária para outra instituição e a divulgação, através de um extrato simples e padronizado, de todos os custos cobrados do cliente, mensalmente. Não é pecado cobrar juros altos. Mas é um erro não estimular a concorrência entre os bancos.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com