O Estado de São Paulo : 20.02.2017

“Senta, senta, senta !” A torcida grita quando os torcedores, aflitos com alguma jogada, resolvem ficar de pé. Se alguém se levanta, poderá ver o jogo melhor. Mas se todos ficarem de pé, o grupo, como um todo, será exposto a um desnecessário desconforto. Melhor sentar. A crônica indexação da economia brasileira nos impõe um ônus parecido. Mais de vinte anos depois do Plano Real, ainda padecemos do vício de vincular o futuro da inflação ao seu passado. Nossa vida seria mais fácil se pudéssemos desapegar.

A inflação caiu pela metade nos últimos doze meses, de 10,7% para 5,3%. Trata-se da maior queda anual desde 2004. Pode fechar o ano abaixo da meta de 4,5%, algo que não víamos desde 2009. Nos dezoito anos de regime de metas de inflação, apenas em quatro ocasiões a inflação ficou abaixo da meta. O problema é o custo desta redução. A taxa Selic subiu de 10,9% na média de 2014 para 14,02% no ano passado. Foi a taxa real mais alta dos últimos dez anos, 7,3%. Ao contrário do que acontecia antes, desta vez a contração do crédito direcionado adicionou calor ao inferno dos juros altos. No acumulado dos últimos dois anos, a concessão de crédito direcionado recuou 46%, descontada a inflação. O BNDES caprichou: reduziu em 63% a concessão de empréstimos para empresas neste período, em termos reais. Juros altos e crédito escasso são a combinação ideal para provocar a queda do nível de atividade. Foi um massacre. No biênio 2015-2016, a produção industrial caiu 14,3%, o volume de vendas no varejo recuou 10,3% e 3 milhões de vagas no mercado formal de trabalho foram fechadas. Pagamos muito caro pela queda da inflação. “Outra vitória como esta e estamos acabados”, disse o rei Pirro.

Os historiadores do futuro terão dificuldade em entender porque um governo que é reprovado por dois terços dos brasileiros consegue avançar na aprovação de medidas impopulares. Mas o fato é que as reformas avançam. Mesmo diluídas por interesses corporativistas, elas poderão, no seu conjunto amarfanhado, sustentar o crescimento mais adiante. Já que é assim, aqui vai uma sugestão: valeria a pena aproveitar o embalo e propor medidas que coíbam reajustes de preços baseados na inflação passada. Uma medida simples seria estabelecer que reajustes anuais em contratos estariam limitados à meta da inflação. Reajustes pela inflação efetivamente verificada seriam permitidos apenas a cada dois anos, por exemplo. Avançar na desindexação também significa ajustar o mercado financeiro. É difícil entender porque a  LFT, um papel criado para permitir a convivência com inflação alta, sobrevive ainda hoje. Quanto maior a proporção da riqueza financeira alocada em papeis prefixados, maior a eficácia da política monetária. A desindexação não estará completa se não envolver também a mudança da regra atual do salário mínimo. O tema aqui é delicado, mas dele não se pode escapar. A indexação dos salários, que busca proteger os trabalhadores, engessa o ajuste em tempos de recessão. Entre 2014 e 2016 o rendimento médio real habitualmente recebido no mercado formal caiu pouco, apenas 0,7%. Em compensação, a quantidade de pessoas empregadas despencou quase 6%. Se o preço do salário é rígido, o mercado ajusta a quantidade. O sacrifício é maior.

A indexação torna mais oneroso o combate à inflação. Se os preços são pouco flexíveis, é preciso elevar os juros. Juros altos são um flagelo que cevam uma elite rentista e destroem a capacidade produtiva do país.  É primordial avançar na desindexação para torna-los menos necessários.

Economista. Foi  diretor de política monetária do Banco Central  e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com