O Estado de São Paulo : 28.11.2016

Já sabemos todos que a eleição de Trump não foi uma boa notícia para o Brasil. A perspectiva de uma política fiscal expansionista elevou as taxas de juros dos títulos americanos, valorizou o dólar e deprimiu as moedas de países emergentes. Não é nenhuma tragédia para nós. O dólar voltou para o patamar que estava em meados de junho, nada demais. O problema não é este. O ponto é que isto pode atrasar ou reduzir o ritmo de queda dos juros brasileiros, com o que a retomada do crescimento pode ser adiada.

As mentes mais cândidas acreditavam que a retomada dos índices de confiança após o ‘impeachment’ seria o prenuncio do revigoramento da economia. Só que não. O índice de nível de atividade do Banco Central mostra que a recessão começa a se esvair, mas subsiste. Em termos anualizados, o nível de atividade de setembro recuou 5,2%, apenas marginalmente melhor que o indicador de julho (-5,6%), o pior de toda a série histórica. Estamos andando para trás mais lentamente, mas ainda andando para trás.

A recuperação seria lenta, de qualquer forma. A novidade é que ela poderá demorar ainda mais. Isto ameaça, principalmente, a retomada do nível de emprego. A variação do emprego sempre tem um retardo em relação à atividade. Sua volatilidade é menor e a defasagem é de vários meses. Ao contrário do que sugere o senso comum, não são as demissões que disparam quando a economia entra em fase recessiva; são as contratações que despencam. No ano passado, quando mais de 1,6 milhão de empregos no mercado formal foram extintos o total de desligamentos caiu 9,8%. As empresas preferem poupar as verbas rescisórias diante de dificuldades. Mas o volume de contratações recuou muito mais (18,4%) , gerando um saldo negativo gigantesco. Nos dez anos anteriores a 2014, o Brasil gerou nada menos que 12 milhões de empregos com carteira assinada. O número de postos de trabalho saltou de 29,2 milhões para 41,2 milhões. O pico se deu em setembro de 2014, quando 41,8 milhões de trabalhadores estavam no mercado formal. De lá até o mês passado, quase 3 milhões de vagas foram extintas. O ano de 2014 foi ainda o último em que se registrou aumento do emprego formal. O nível de atividade já caia fortemente, mas 153 mil novas vagas foram criadas. Parte dos trabalhadores desalojados do mercado formal acaba exercendo alguma atividade remunerada. Mas o tombo é grande. O IBGE calcula que o rendimento de trabalhadores sem carteira assinada é 40% inferior ao daqueles que estão inseridos no mercado formal (R$ 1206,00 contra R$ 1938,00, respectivamente, para setembro).

Espremendo aqui e ali modelos econométricos e torturando os números não é difícil arrancar a confissão de que poderemos ter o cancelamento de algo como 1 milhão de vagas novamente no próximo ano, o que levaria a perda de vagas para perto de 4 milhões no triênio 2015/2017. Aqui está o perigo :  justamente porque o nível de emprego é a última variável a acompanhar os fluxos e refluxos da economia, um atraso agora na recuperação do nível de atividade fará com que a campanha eleitoral de 2018 se dê no contexto ainda de alto desemprego. Isto semeia o terreno para o surgimento de agendas populistas que tem o condão de ignorar a complexidade dos problemas e torna-los, logo a seguir, mais graves ainda. Para minimizar este risco, cabe agora ao governo acelerar sua agenda de reformas, viabilizar investimentos em infraestrutura, ampliar sua pauta de mudanças (introduzindo a discussão sobre a desindexação, por exemplo) e não perder a oportunidade de cortar juros.

Economista. Foi  diretor de política monetária do Banco Central  e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com