O Estado de São Paulo : 31.10.2016
Na cerimonia de abertura das Olimpíadas de Londres em 2012, os organizadores fizeram uma homenagem ao NHS, o serviço de saúde britânico. A ninguém ocorreu fazer alguma menção elogiosa ao SUS nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Pesquisa do Datafolha no final de 2015 mostra que a saúde é a segunda maior preocupação dos brasileiros, atrás, claro, da corrupção, mas à frente do desemprego, da segurança e da educação. A aprovação da PEC que limita os gastos do governo colocará um enorme desafio para que o nível de atendimento não piore ainda mais.
O argumento do governo a favor da PEC é conhecido: os gastos com saúde podem aumentar desde que outros itens de despesa aumentem menos ou sejam reduzidos, de tal sorte a permitir que o gasto total não cresça mais que a inflação do ano anterior. Além disso, a proposta garante que os gastos com saúde subirão no mínimo o equivalente à variação do IPCA. Para facilitar o trâmite, resolveu-se também antecipar para 2017 a regra de que a saúde tem direito a 15% da receita corrente líquida, antes prevista para vigorar apenas em 2020. A regra atual é muito ruim. Vincular despesas correntes à flutuação da receita é péssima ideia. Quando a economia vai bem, o governo é obrigado a gastar mais, mas quando a economia entra em recessão não há como cortar gastos, o que tende a pressionar o déficit.
Não será possível limitar os gastos com saúde à variação do IPCA, a não ser que haja uma forte deterioração na qualidade de serviços. Isto ocorre por duas razões. A primeira tem a ver com a demografia. O Brasil é um país que envelheceu antes de ficar rico. De acordo com o Banco Mundial, a renda per capita brasileira, em dólares constantes, era de US$ 11 159 em 2015. Muito parecida com a renda média dos países da OCDE em 1960 (US$ 11 304). Mas a expectativa de vida no Brasil é de 74 anos, contra 67 anos na OCDE naquela época. Uma população mais velha consome muito mais recursos na área de saúde. Dados do Medicare, programa de assistência administrado pelo governo americano, mostram que em 2011 o numero de atendimentos a beneficiários com mais de 65 anos representou 82% do total.
A segunda razão está relacionada ao custo das novas tecnologias médicas. Elas não só são muito caras como, em geral, são agregadas aos procedimentos habituais, ao invés de substituí-las. As tomografias e ressonâncias magnéticas muitas vezes não dispensam o recurso ao velho raio X, descoberto no final do século XIX (“a fotografia interior”, como dizia Hans Castorp). Nos últimos dez anos até setembro de 2016, o IPCA acumulou alta de 83,7%, enquanto os itens Serviços de Saúde e Planos de Saúde subiram, respectivamente, 123% e 131%. A conjugação da pressão demográfica com o aumento de custos tem elevado de forma exponencial os gastos com saúde. O Instituto de Estudos de Saúde Suplementar estima que a variação do custo médico hospitalar subiu 204% entre 2007 e 2015. Neste mesmo período, a inflação oficial ficou em 72%.
Como é impossível barrar as mudanças demográficas e o avanço das inovações tecnológicas, isto significa que os gastos com saúde – se quisermos manter o patamar atual, já insatisfatório – terão que crescer acima da inflação. Para acomodar este aumento, outros itens do orçamento deverão evoluir abaixo do IPCA para que total de gastos fique constante. Não será fácil. Ou o governo será capaz de urdir novas regras de acesso a recursos públicos – aprovando por exemplo, uma substancial reforma da previdência – ou o teto de gastos nos conduzirá a um impasse.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com