O Estado de São Paulo : 30/12/2013

Com a possível exceção do risco de ouvir a cantora Simone anunciando que então é Natal, uma das coisas mais difíceis no final do ano é conviver com as previsões que os economistas fazem para o ano que se inicia. No final de 2012, os analistas poderiam ter se contentado em prever que o ano acabaria no dia seguinte, no que, sabemos hoje, estariam certos.  Não se contiveram e foram além. Em dezembro de 2012, a pesquisa Focus do Bacen projetava um superávit comercial de US$ 15,2 bilhões em 2013. Fecharemos o ano com pouco mais de US$ 1 bilhão de saldo, o mais baixo em doze anos. A taxa de câmbio era estimada em R$ 2,09, bem menos do que sinaliza o mercado nos últimos dias. A previsão da taxa Selic para o final de 2013 há um ano era  7,25%. Muito diferente dos 10% que temos hoje. Tomando a previsão do crescimento do PIB que se fez com um ano de antecedência, a variação acumulada desde 2010 deveria estar hoje em 11,5%, quase o dobro dos 6,1% que conseguimos de fato crescer. Em um país onde o passado é imprevisível, fazer estimativas é sempre muito perigoso.

Ainda assim, desafiando o bom senso, aqui  vai uma previsão : nada de  importante acontecerá na economia brasileira em 2014. O próximo ano será mais do mesmo que aconteceu em 2013. No front externo, o banco central americano já deu sinais de que a alteração da política monetária será prudente e cuidadosa. O pior da crise vai ficando para trás. A região do euro também não promete grandes emoções. O crescimento será pífio, mas o suficiente para afastar rupturas. A China, por sua vez, decidiu mudar seu modelo econômico de forma substancial  , mas não  abandonará  o pragmatismo que evita guinadas e surpresas. Por aqui, seria de se esperar que o governo estivesse disposto a fazer loucuras para assegurar a reeleição no final do ano. Nem isto conseguirá. O fracasso da “nova matriz econômica”  foi tão acachapante que o próprio espaço para se cometer equívocos ficou reduzido. Uma forte expansão dos gastos públicos em 2014, sempre uma tentação em ano eleitoral, poderia precipitar um rebaixamento na avaliação de risco das agências internacionais, o que pressionaria o dólar  e a inflação, corroendo o poder aquisitivo dos salários e tornando os eleitores menos  favoráveis a um segundo mandato. O governo encalacrou-se em uma armadilha que combina baixo potencial de crescimento, inflação alta e deterioração das finanças públicas. Não será em 2014 que isto mudará.

Por que chegamos a este ponto?  Três critérios podem ser escolhidos para uma possível taxonomia dos equívocos da política econômica recente. As piores medidas foram aquelas que, simultaneamente, (i) refletiram uma concepção inexata daquilo que já se conhece hoje sobre teoria econômica, (ii) contrariaram a própria visão que o governo tem sobre o funcionamento dos mercados e (iii) geraram distorções que se acumulam ao longo do tempo.

Neste contexto, os piores deslizes foram a ideia de que a desoneração fiscal induziria um aumento nos investimentos (uma descabida versão tropical do liberalismo do governo Reagan), o descaso com os investimentos de infraestrutura (que poderia ser esperado apenas de um governo que acreditasse  que o mercado resolve tudo) e o represamento dos preços dos combustíveis (que sucateou a  mais emblemática das empresas estatais, justo ao contrário do ideário do governo). São erros dentro do erro, desnecessários e onerosos. Sair desta situação não será simples e nada de complicado poderá ser feito na economia em 2014. Não há condições sequer para se discutir as reformas que conduziriam o país a um ritmo mais acelerado de crescimento, já que temas como desindexação, modernização da CLT  ou reforma da previdência são tabus eleitorais. Em boa medida, a falta de clareza na definição de prioridades da política econômica reflete a própria incipiência do debate existente na sociedade, que prefere acreditar , enganosamente, que tudo se resolve apenas com o combate à corrupção e a utilização judiciosa do  dinheiro público. É muito mais que isto. Somos pobres ainda e assumimos compromissos de solidariedade social que, embora louváveis, exigem transferências vultosas de recursos e uma carga tributária asfixiante. Nosso caminho é desta forma, mais sinuoso. A presidente Dilma se confortaria se lesse  o último livro do economista John Kay (“Obliquity”, 2010), articulista do Financial Times. Para ele, as soluções dos  problemas podem ser mais facilmente atingidas de forma indireta, da mesma forma que o traçado do canal do Panamá não privilegiou a rota mais curta entre o Atlântico e o Pacífico ou a arquitetura modernista de Le Corbusier , nas suas palavras ,foi  incapaz de apreender a complexidade das interações sociais. Pode ser um consolo, mas não é uma solução. No nosso caso, sequer temos soluções tortuosas. Não andamos em ziguezague; andamos em círculos. Nossa opção por alternativas “oblíquas” é muito custosa. Se crescermos nos próximos vinte e cinco anos à taxa do governo Lula (4% ao ano) chegaremos em 2038 com uma renda per capita, ajustada pelo padrão de preços, acima do nível  que tem hoje  Portugal ou  Grécia. Se, no entanto, mantivermos neste período o crescimento do governo Dilma ( 2% ao ano apenas ) teremos no final uma renda per capita menor que o patamar atual  do México ou da Malásia .  Faz toda diferença. Acelerar as taxas de crescimento é fundamental . O mundo mudou. Se não quisermos ficar para trás é preciso mudar também. Procrastinar decisões difíceis pode garantir a reeleição em  2014, mas 2015 está à espreita  e dele não escaparemos. No final do próximo ano será ainda mais fácil errar as previsões econômicas.

(*) Luís Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com.