O Estado de São Paulo : 29.04.2013
De forma pouco cerimoniosa, o retorno da inflação ao centro das preocupações mostra que alguma coisa deu errado nos planos do governo. Não faz muito tempo, em julho de 2011, o dólar estava em R$ 1,56, a mais baixa média mensal desde janeiro de 1999, enquanto a taxa Selic passava para 12,5% ao ano, o nível mais elevado desde fevereiro de 2009. A economia já desacelerava rapidamente, logo após o excepcional crescimento de 2010, quando alguém deve ter tido uma ideia que parecia brilhante : por que não cortar os juros e promover uma desvalorização cambial ? Juros baixos estimulariam os investimentos, já que os empresários não teriam onde rentabilizar o capital, e o dólar mais caro protegeria a indústria da concorrência dos importados, induzindo também por esta via a retomada do crescimento. Não foi exatamente desta maneira que aconteceu. A taxa anualizada de investimento despencou de 11,4% em junho de 2011 para -4% no final do ano passado. Mais: a desvalorização de 33% entre julho de 2011 e dezembro de 2012 atrapalhou o combate à inflação. E, pior ainda, em 2012, o Pib registrou o segundo pior desempenho dos últimos treze anos.
Ao ser acompanhada por uma política fiscal expansionista e pela insistência em medidas pontuais e erráticas de estímulo ao consumo, a manobra reduziu sensivelmente o raio de ação da política econômica. O Brasil está entalado. A economia gira em duas velocidades, como duas rodas dentadas de tamanhos distintos. Medida pelo Pib, a economia gira lentamente e faz as manchetes dos jornais. Mas o governo parece preferir olhar para a massa salarial disponível, calculado pelo Banco Central, que acumulou uma fantástica elevação real de 11,3% em 2011-2012. É este último indicador que ajuda a entender a popularidade da presidente Dilma. Mas qual é o problema se , ao contrário do que dizia o general Medici, a economia vai mal e o povo vai bem ? O problema é que este descolamento é temporário. Sem aumento da produtividade do trabalho, o crescimento real da massa de salários acaba por elevar os preços e empurrar a inflação, o que, mais adiante, pode erodir o entusiasmo dos eleitores. Nas atuais circunstâncias, há muito a fazer, mas é prudente esperar pouco. Seria proveitosa, por exemplo, uma política fiscal menos perdulária que pudesse dividir com os juros o ônus de atacar a inflação. Isto não acontecerá, seja pela falta de convicção do governo, que considera este ingrediente um item do receituário “neoliberal”, seja pelas dificuldades práticas de acomodar interesses patrimonialistas e corporativistas aninhados na vasta coalização de partidos que sustenta o governo federal. Uma elevação de juros que enfrente de maneira incisiva a inflação também é improvável, haja vista a relutância de se usar este instrumento até mesmo quando a inflação estourou o teto da margem de tolerância. O governo teme que juros mais altos afetem o nível de emprego e reduza a massa salarial. Abrir a economia às importações seria algo benfazejo no longo prazo. Mas teme-se o impacto sobre o emprego industrial em plena campanha eleitoral. Proteger a indústria com a indexação do câmbio, por outro lado, poderia ser um retrocesso tentador , mas mesmo o governo percebe que isto apenas fomentaria a inflação. A distribuição arbitrária de benesses na forma de desonerações tributárias não combate a inflação e não estimula o investimento. Não combate a inflação porque confunde nível de preços com o seu crescimento, toma alfa por beta. Também não combate a inflação, mesmo temporariamente, porque nada garante que a menor carga tributária não seja transformada em recuperação de margens, ao invés de preços menores. Não estimula os investimentos porque não desanuvia o horizonte a ponto de aumentar a disposição dos empresários tomarem risco. As bênçãos tributárias apenas provocam romarias à Brasília. Os setores apaniguados poderão até mesmo organizar uma sala de ex-votos como sinal de gratidão pelas graças alcançadas, mas não ampliarão a aposta em novos empreendimentos enquanto não tiverem a percepção de que o crescimento dos seus custos está em linha com o dos seus concorrentes internacionais.
O combate à inflação é importante não só para proteger os salários dos eleitores mas também para assegurar condições de competitividade com os produtos importados, sem o que os investimentos não decolarão e o nível de emprego será afetado. Enquanto os custos internos subirem mais que no resto do mundo, o câmbio semifixo que temos hoje desestimulará o aumento da capacidade produtiva. Resta, claro, o recurso a um aumento nos investimentos em infraestrutura. Aqui, no entanto, a dificuldade é dupla. Não só o governo, refém de preconceitos ideológicos, lida mal com o fato de que a iniciativa privada é movida pela maximização de lucros como não consegue abrir mão do centralismo nas decisões de minúcias, o que o condena ao imobilismo.
J.L. Borges, em uma de suas alegorias preferidas, lembrava que o labirinto é o símbolo mais evidente de estar perdido. Mais que isto, dizia, todas as construções humanas tem uma finalidade explícita. O refeitório serve para comer, a sala de espera para esperar, o dormitório para dormir. Mas o labirinto é construído com o único intuito de nele se perder. Ao desprezar o longo prazo, o governo urdiu, laboriosamente, uma situação na qual hoje se vê impotente. Que daí não se depreenda que estamos à beira de uma hecatombe. Nem a inflação escapará do controle, nem cairemos em uma recessão. Mas tudo sugere um crescimento medíocre. Os historiadores do futuro terão dificuldade em entender nossa opção pela pequenez.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com .