O Estado de São Paulo : 18.02.2013

O Brasil vai bem.  A taxa de desemprego é a mais baixa da série histórica e faz inveja aos países ricos. As vendas no varejo subiram 8,6% acima da inflação, em termos anualizados, até novembro de 2012. O rendimento médio habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas no ano passado foi 9,8% maior que em 2011. O licenciamento de automóveis em 2012 cresceu 7,7% e atingiu 2,85 milhões de unidades – o maior volume da história. Os eleitores são reconhecidos.  Em dezembro, 62% da população avaliou a gestão do governo federal como boa ou ótima. A aprovação do modo de governar da presidente alcançou nada menos que 77%, de acordo com a pesquisa CNI/Ibope.

O Brasil vai mal. O crescimento do Pib per capita no ano passado foi próximo de zero. A produção da indústria de transformação caiu 2,8%, puxada pela queda de 12% na indústria de bens de capital. A formação bruta de capital fixo em setembro de 2012 estava abaixo do nível de dezembro de 2010. A balança comercial de 2012 teve o pior desempenho dos últimos dez anos. O déficit em transações correntes foi recorde histórico e supera o montante acumulado durante toda a fatídica década de 80. O número de admissões com carteira assinada em 2012 caiu em 130 mil, ao passo que as demissões no mercado de trabalho formal aumentaram em 567 mil posições. A inflação acumulada em doze meses sobe sistematicamente desde junho e alcança 6,15%.

Tolice discutir qual é o país verdadeiro. Os dois são. Mas pode ser relevante especular sobre qual destes países é visto da janela do Palácio do Planalto. Há duas opções. A primeira é cogitar que o governo acredita que o tempo resolverá tudo.  As medidas necessárias foram tomadas e logo os investimentos voltarão a puxar o PIB. A inflação cederá sem o desgaste de uma embaraçosa elevação dos juros e as eleições do próximo ano consagrarão o êxito da estratégia governista. O Brasil que vai bem é o país que importa – o resto é ruído dos perdedores.  Mas talvez o governo também pense que o Brasil que vai mal possa contaminar o Brasil que vai bem. Estivéssemos em um regime parlamentarista, haveria razão para convocar eleições antecipadas. Mas o jogo será decidido apenas no ano que vem e não há garantias de que o ritmo de cágado da economia não influencie o mercado de trabalho e, desta forma, o humor dos eleitores. O raio de manobra, no entanto, é estreito. A política econômica foi vitimada por hiperatividade aguda, que implicou uma saraivada de medidas contraditórias. O governo promoveu uma forte desvalorização do real, por exemplo, mas agora que a inflação acelera parece arrependido e patrocina uma nova rodada de valorização da moeda. A taxa de câmbio deve ser alta o suficiente para proteger a indústria da concorrência internacional predatória, mas baixa o suficiente para não pressionar a inflação.

Dentro deste quadro,o Ministério da Fazenda age como se pudesse  estimular a retomada dos investimentos simplesmente através de mensagens de otimismo delirante. Isto lembra um certo apego à tese esotérica da força do pensamento positivo, subliteratura de autoajuda que remonta aos anos 50. Bastaria dizer “pode pular que dá pé” e os empresários mergulhariam em um vigoroso ciclo de investimentos.  Mas não é assim que funciona.  Lembra o teorema de Thomas que se as pessoas acreditam em determinadas circunstâncias, elas serão verdadeiras nas suas consequências. Este conceito é o núcleo do que se conhece na literatura por profecias autorrealizáveis.  Parece ser esta a aposta do governo. Se todos acreditarem que a economia voltará a crescer, a necessidade de preservar os negócios induzirá naturalmente a um aumento nos investimentos (da mesma forma que se todos acreditarem que um banco tem problemas e correrem para sacar dinheiro, este banco, de fato, terá problemas). Pode soar bem, mas a falácia do raciocínio está justamente na primeira parte da proposição: as previsões governamentais não gozam de credibilidade suficiente para induzir o empresariado a tomar riscos.  Depois de uma sucessão de estimativas  mirabolantes  sobre o crescimento do PIB, depois de dar seta para a direita e guinar para a esquerda na política cambial, depois de manejar com  inabilidade os malabares do cálculo do superávit primário, depois de se encalacrar na política energética e na coordenação dos investimentos estatais, o governo hoje não consegue convencer  que seu otimismo panglossiano tem conexão com a realidade. Poderia ser argumentado que é dever de ofício do governo ter uma visão rósea sobre o futuro e que, a rigor, como sugere o sempre citado concurso de beleza mencionado por Keynes, não é preciso que cada empresário acredite nas previsões otimistas do governo : basta que ele acredite que seus concorrentes são mais crédulos e retomarão os investimentos para que ele acompanhe seus pares, sob pena de  perder participação relativa no mercado. Mas se é assim, a queda dos investimentos mostra que, no geral, não só os empresários não conjugam da visão do governo como duvidam que seus concorrentes o façam.

A conclusão é que é difícil superestimar as consequências negativas da perda de credibilidade da política econômica. Resta ao governo a esta altura moderar o ritmo de introdução de novidades, esperar que os ânimos serenados embalem uma visão mais confiante por parte da iniciativa privada e, principalmente, abster-se de fazer previsões exaltadas sobre o andamento da economia.  Como disse Carlyle, a grande tarefa não é tentar ver o que se esconde no futuro, mas  tentar fazer aquilo que está ao alcance das nossas mãos (com o que, pode-se acrescentar, o futuro será diferente, talvez para melhor).

(*) Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. E-mail: luiseduardoassis@gmail.com .