O Estado de São Paulo : 24/07/2012

Não há muito tempo, quando o país ainda tentava sair de duas décadas de estagnação, tornou-se usual comparar nossas desventuras ao voo de uma galinha. A comparação remetia à vulnerabilidade do balanço de pagamentos, que demandava  desvalorizações cambiais espasmódicas, que pressionavam a inflação e exigiam elevações periódicas nas taxas de juros, estancando o crescimento. Muita coisa mudou. O excesso de reservas, quem diria, passou a ser visto como um problema. A economia, no entanto, voltou a patinar. Estamos parando.

Culpar apenas a crise internacional é descabido.  Seria melhor se o mundo não tivesse se transformado em um lugar tão perigoso, mas as conexões que mantemos com o resto do globo são limitadas. O Brasil é uma economia ensimesmada. Somos locais. As exportações representam uma parcela pequena do PIB, o financiamento internacional é apenas complementar, os bancos brasileiros dominam o mercado, o financiamento da dívida pública é feito quase totalmente por brasileiros. Nossa estagnação reflete, predominantemente, nossas próprias fraquezas e é, na sua maior parte, explicada pela conjugação entre o esgotamento de um ciclo de endividamento acoplado ao exaurimento do padrão de crescimento industrial.   A história do crédito é conhecida. Em números: nos dez anos terminados em 2011, o crédito total na economia brasileira cresceu mais de 500%. No ano passado, no entanto, a inadimplência deu um salto (35%), continuou crescendo e forçou os bancos a uma política de crédito mais seletiva. Um típico sofisma da composição, ensinado no primeiro ano dos cursos de Economia. Se cada um dos bancos corta o crédito, todos, no conjunto, tendem a ter mais inadimplência – porque a produção e a renda se contraem. Assim funciona uma economia de mercado (a alternativa seria uma planilha do Gosplan, o que ainda não se cogita).  Com o tempo – nada como o tempo para passar – as famílias vão gradativamente recuperar a capacidade e o apetite para um novo ciclo de crédito.

A vulnerabilidade da indústria é mais complexa, porque nem o tempo resolve. O setor vem sendo esmagado por custos crescentes e progressiva exposição aos produtos importados. Também em números: nos dez anos terminados em 2011, o custo da energia elétrica industrial aumentou 165%, para uma inflação medida pelo IPCA de 88%. Os salários industriais, por sua vez, subiram 134%, ao passo que o recolhimento de IPI saltou quase o mesmo, 133%. O valor do dólar, no entanto, caiu 28%, o que ofereceu a indústria à concorrência predatória das importações (a importação de bens duráveis, medida em reais, subiu 764% neste período). Neste contexto, o único ‘espírito animal’ que ainda resta no empresariado é o medo, muito medo. Mitigar esta defasagem exigiria ganhos de produtividade extremamente significativos, o que não está na pauta. O INSEAD divulgou há dias pesquisa internacional sobre inovação e ambiente de negócios que realizou em conjunto com a Organização Internacional de Propriedade Intelectual. O Brasil foi classificado em 58º lugar, atrás de países como Jordânia, Croácia e Omã. No quesito “ambiente de negócios” ficamos em 127º lugar, atrás do Burundi.

As frenéticas medidas pontuais que o governo vem tomando não resolverão nossos problemas estruturais. Reformas amplas, por outro lado, estão além do raio de manobra política da atual gestão, que se equilibra sobre uma coalisão bizarra e fica, assim, premida por interesses difusos e contraditórios. Resta torcer para que a Europa não se desintegre, que a China passe muito bem e que o tempo se encarregue de  preparar um novo ciclo de consumo baseado no crédito. Sem mudanças estruturais, porém, mais uma vez parte expressiva desta demanda vazará para o exterior na forma de aumento das importações, o que poderá tornar o crescimento cronicamente mirrado. Galinhas não voam. Galinhas ciscam para trás.

(*) Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com .