O Estado de São Paulo:08.07.2019

Mervyn King, que foi presidente do banco central da Inglaterra por tumultuados dez anos, entre 2003 e 2013, disse uma vez que um sinal de sucesso da política monetária era quando ela se tornava monótona e entediante. Isto significava que as coisas caminhavam bem. Claro que esta observação foi feita antes da crise financeira de 2008, quando o mundo ainda parecia convergir para um padrão de crescimento contínuo, tão fastidioso que se chegou a cogitar a respeito do fim dos ciclos econômicos – logo antes, ironicamente, da debacle do subprime.

De lá para cá, muita coisa mudou, a começar pelo ativismo brutal dos bancos centrais dos países desenvolvidos que injetaram trilhões de dólares para evitar o colapso da economia mundial. Esta intervenção contrariava frontalmente o credo ortodoxo, mas deu certo. Ao contrário do que poderiam dizer os monetaristas, a criação de moeda não fez a inflação escapar do controle e a recuperação da economia foi relativamente rápida – em comparação com o que poderia ter acontecido se os bancos centrais não tivessem deixado de ser chatos.

Aqui nos trópicos, o Banco Central se orgulha em ser monótono. Agarra-se ao fato de que sua missão na terra é apenas controlar a inflação para ficar alheio às agruras que jogaram a economia neste furdunço. O Ministro da Economia rola no chão de terra do Congresso para viabilizar sua agenda liberal – que acredita ser a chave do crescimento – mas o Banco Central permanece impassível, observando tudo com seu avental branco, escorreito e imaculado. Um isentão. Enquanto isso, a economia derrete. A produção industrial de maio de 2019 mostra uma queda de 0,7% em relação a maio de 2005. Sim, catorze anos atrás a indústria produzia mais do que hoje. Mas isto não altera a fleuma da autoridade monetária, que pensa e repensa, torce e retorce para decidir se a taxa Selic vai cair 0,25 pontos. Claro que isto tem a ver com seu mandato, que prevê como meta exclusivamente o combate à inflação. Não é assim em todos os países. Nos EUA, por exemplo, o FED deve buscar não só a estabilidade de preços como também o crescimento sustentável. O Banco Central Europeu não tem um mandato duplo, mas o objetivo primordial de combater à inflação não dispensa a instituição de apoiar, secundariamente, o atingimento do pleno emprego e o crescimento da economia.

No bojo da discussão sobre a autonomia do Banco Central, já anunciada como uma das prioridades do governo, vale a pena rever seu papel na promoção do crescimento da economia. Pode-se argumentar, dentro dos cânones ortodoxos, que a melhor contribuição que a autoridade monetária poderá dar ao crescimento será a estabilidade de preços. É verdade. Mas a que custo? Levar em conta o nível de atividade, mesmo de forma subsidiária, chamará o Banco Central para a agenda de transformações que são essenciais para o crescimento. O fetiche da credibilidade não pode ser desculpa para ignorar que estamos definhando. Em muito a autoridade monetária poderá colaborar se vier para a roda, a começar por buscar condições para uma efetiva redução do spread bancário. Também é preciso discutir como estimular o crédito. A desindexação da economia como forma de alavancar a eficácia da política monetária é outro tema que não pode prescindir da colaboração do Banco Central. Reduzir a meta da inflação, como feito há pouco, sem avançar na desindexação é apenas um exercício de obsequioso martírio. Há muito a fazer e o tempo corre contra todos. É preciso ir além do modorrento pulsar da taxa Selic. Na vida real, os bancos centrais que buscamos emular são muito mais pragmáticos do que propõem os livros textos. Não é hora de ser chato.

Economista, foi Diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP. Email : luiseduardoassis@gmail.com