O Estado de São Paulo:18.03.2019

Em meio à barafunda em que se meteu o Ministério da Educação, onde , diria Bioy Casares, gasta-se tempo “tecendo a lã negra da perfídia”, o presidente Bolsonaro tuitou que “ o Brasil gasta mais em educação em relação ao PIB que a média de países desenvolvidos” , o que, segundo ele, parece incompatível com a posição vexatória que o país ocupa no ranking do PISA. A mensagem é que já gastamos muito com educação e que nossa colocação humilhante (somos o 63º colocado de uma lista de 70 países avaliados) decorre da mistura entre corrupção e ideologização do conteúdo curricular. Será mesmo?

A conta está errada. Não tem sentido comparar o que os países gastam como proporção do PIB. Não só, claro, os produtos dos países variam de forma expressiva como também a pirâmide etária é diferente. Países mais pobres, em geral, tendem a ter uma proporção de pessoas em idade escolar muito maior que a encontrada em economias maduras. Tomemos o caso do Brasil. Pelos últimos números disponíveis, gastamos 5,9% do produto em educação. Considerando o PIB no conceito de paridade de poder de compra isto significa um gasto anual da ordem de US$ 191,2 bilhões. Mas a população em idade escolar é muito grande aqui. Para simplificar, vamos levar em conta as pessoas que tem entre 4 e 19 anos como os beneficiários deste gasto. Estamos falando de 49,2 milhões de jovens, 23,3% da população brasileira. Isto significa que à cada pessoa em idade escolar corresponde, grosso modo, um gasto de US$ 3,88 mil por ano. É pouco ou muito?

Vamos para o caso da Alemanha, classificada 50 posições à nossa frente no exame do PISA. O PIB, também no conceito de paridade de poder de compra, é quase 30% superior ao brasileiro. Gasta-se ali cerca de 5% do produto em educação. Mas a população com idade entre 4 e 19 anos representa apenas 13,3% da população geral, que, por sua vez, é 62% menor que a brasileira. Disto tudo resulta um gasto per capita da população-alvo de US$ 19,5 mil, nada menos que cinco vezes mais do que gastamos. Por esta mesma metodologia, Cingapura, o primeiro colocado no ranking, apresenta um gasto per capita de US$ 18,3 mil, o que denota maior eficiência que a Alemanha, se assumirmos que o exame do PISA é uma boa medida de performance. Na outra ponta, a República Dominicana, a última colocada da lista, gasta o equivalente a US$ 1,23 mil, cerca de um terço do gasto brasileiro. Deste pequeno exercício (impreciso, já que sujeito à disponibilidade de dados) podemos inferir três conclusões. A primeira é que dinheiro importa. Dinheiro compra até amor verdadeiro, dizia Nelson Rodrigues, quanto mais educação de qualidade. O Brasil gasta muito menos que países ricos, onde a educação tem qualidade superior. O segundo ponto é que daí não decorre que gastemos bem o pouco que temos. Gastamos mal. Um exemplo simples da má alocação é o próprio sistema previdenciária dos professores. Em troca de salários baixos, desmotivadores, aos professores é oferecida uma aposentadoria precoce. A expectativa de vida de uma mulher brasileira aos 47 anos é de 35 anos adicionais, dez a mais que o período de contribuição de uma professora. Não faz nenhum sentido do ponto de vista da gestão de recursos humanos. É preciso corrigir esta e dezenas de outras distorções na gestão do dinheiro alocado para a educação. A terceira conclusão é que perdemos todos quando o Ministério da Educação se digladia em conflitos intestinos que combinam inépcia, ignorância e despreparo em doses inéditas até para os tolerantes padrões brasileiros. Seria bom se o Ministro tomasse posse e anunciasse seus planos e prioridades para nos tirar da crítica situação em que nos encontramos.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com