O Estado de São Paulo:07.01.2019

A convenção social nos estimula a desejarmos uns aos outros que o ano que se inicia seja melhor. Os economistas, que gozam da injusta fama de serem ogros derrotistas que sempre torcem pelo pior, não são infensos a esta tradição. Tomemos a pesquisa Focus, divulgada pelo Banco Central. Se encadearmos, desde o final do governo Lula, em 2010, a previsão de crescimento do PIB feita na virada do ano para o ano que se inicia, o aumento do produto acumulado até o final de 2018 teria sido de 14,5%. A realidade foi mais amarga. Nos últimos oito anos, o produto interno brasileiro cresceu parcos 4,7%, pouco mais de um terço do que foi previsto. Se as previsões dos economistas estivessem certas, a arrecadação não teria caído tanto, o déficit primário não seria tão alto e hoje a relação dívida bruta/PIB seria menos desconfortável. Os analistas da bolsa parecem cultivar o mesmo hábito. O Estado de São Paulo publica todos os sábados a expectativa de corretoras para o comportamento do índice Bovespa para a semana seguinte. Ao longo de 2018, apenas em 4% das enquetes o percentual de analistas que achavam que bolsa iria subir foi menor que o percentual que estimava sua queda, o que contrasta com o fato que o índice tenha sido negativo em mais de 40% das semanas.

Os especialistas em economia comportamental debatem as razões pelas quais o viés otimista prevalece ao longo do tempo, mesmo quando o confronto com a realidade comprova que o erro é sistemático. Para Tali Sharot (“The Optimism Bias”, Current Biology, dezembro de 2011), o viés otimista é continuamente renovado porque as pessoas atualizam suas crenças levando em consideração mais as novas informações sobre o futuro, que julgam positivas, do que a realidade mais negativa do passado recente. Experimentos controlados mostram que pessoas que subestimaram a probabilidade de eventos negativos na sua vida (como a ocorrência de uma doença) ajustam apenas marginalmente sua previsão quando solicitadas a opinarem uma segunda vez, depois de conhecerem a verdadeira probabilidade, mais alta. Ao contrário, aqueles que superestimaram a probabilidade de um evento negativo tendem a ajustar sua previsão rapidamente para a média, quando informados do seu erro. Um certo otimismo faz parte da natureza humana.

Pesquisa recente do Datafolha aponta que 65% dos entrevistados acreditam que o governo Bolsonaro será ótimo ou bom. Apenas 9% têm a expectativa de que o novo presidente não cumprirá nenhuma de suas propostas e 5% dos pesquisados esperam que o novo governo terá um desempenho pior que os antecessores na área da Economia. Tudo sugere que estamos aqui mais uma vez deixando de aprender com os erros do passado (a mesma pesquisa no início do governo Collor, que não foi exatamente um sucesso, indicava uma expectativa ainda mais positiva).  Otimismo patriótico à parte, o fato que a vida de Bolsonaro e sua equipe econômica será muito difícil. Há quem defenda que pensar que tudo vai dar certo é uma profecia autorrealizável. Consumidores que acreditam em um futuro melhor compram mais, da mesma forma que empresários otimistas aumentam os investimentos. Não é bem assim. Toda a animação captada nas pesquisas não altera o fato que a inadimplência ainda é alta, o desemprego é gigantesco e a capacidade ociosa é enorme. O maior obstáculo, porém, parece ser a dificuldade do novo presidente compreender que não foi eleito por conta de suas vagas ideias liberais e que necessita articular-se politicamente com o Congresso para viabilizar a aprovação de medidas impopulares. Sem reconhecer suas vulnerabilidades, o governo corre risco de ver o otimismo se esvair.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com