O Estado de São Paulo:29.10.2018

O presidente eleito talvez esteja ainda comemorando sua vitória. Recomenda-se moderação. Daqui para frente é subida. O futuro é íngreme. A tarefa é imensa, o tempo é pouco e as dificuldades, numerosas. É claro que as condições não são tão cruéis quando, por exemplo, na eleição de Collor, que herdou uma inflação de 6390% e uma dívida externa equivalentes a três vezes em meia o volume de reservas internacionais. A inflação na posse do novo presidente deverá estar na casa dos 4,5%, enquanto as reservas serão maiores que a dívida externa. Ainda assim, equacionar o problema do crescimento exige medidas de ajuste das contas públicas, o que não é trivial.

Vivemos hoje a década perdida. Na posse em janeiro próximo, o presidente assumirá um país com um PIB per capita 2% menor do que na posse de Dilma Rousseff em 2011. Temos hoje algo como 6 milhões de desempregados a mais do em janeiro de 2015, quando a presidente foi confirmada no segundo mandato. Andamos para trás. Enquanto isto, o PIB mundial cresceu aproximadamente 40% desde 2010. Está aqui o primeiro problema: os erros consecutivos de política econômica conseguiram a proeza de impedir o crescimento justamente em uma década em que o resto do mundo surfava em uma onda de significativo crescimento. O segundo problema é que há fortes indícios de que esta onda está minguando. O FMI publicou recentemente um relatório (“Global Financial Stability Report”, outubro de 2018) no qual adverte para os riscos que ameaçam o crescimento da economia mundial. Depois de oito elevações nas taxas de juros básicas nos EUA desde o final de 2015, o cenário internacional para as economias emergentes começa a se deteriorar. Os juros americanos subiram, mas ainda estão baixos para os padrões históricos. Vão subir mais, o que significa um dólar mais caro. Na China, a dívida das empresas cresce de forma acelerada, ao passo que os bancos pequenos e médios evidenciam sinais de vulnerabilidade. A escalada na guerra tarifária entre China e Estados Unidos (dois carecas que brigam por um pente, parafraseando Borges) prenuncia mais turbulência. A revista The Economist , que alguns brasileiros passaram a considerar um libelo da extrema esquerda, foi mais explícita e fez matéria de capa sobre o tema (“The Next Recession”, 11 de outubro). O melhor já passou.

O presidente eleito acordou hoje atrasado. Terá que achar o tempo que perdemos. Há muito a fazer, a começar por um programa de governo. Não, o da campanha não serve, já que não passa de um emaranhado de ideias contraditórias. As boas propostas são impraticáveis e as factíveis não são boas. É preciso virar a chave e esquecer as patetices que encantam os eleitores. Não, não vai ser possível reduzir os impostos; não, o combate à corrupção não resolve o rombo da Previdência. Há velhos problemas no escaninho que exigem uma solução. Desde que Lula deixou o Palácio do Planalto, a divida do Governo Geral cresceu 160%, ou R$ 3,3 trilhões. É preciso escolher quem vai pagar esta conta, algo que não convém comentar na campanha. É fundamental articular a relação com o Congresso, o que exige habilidade até agora não demonstrada pelo novo presidente. Mais que tudo, é essencial não adicionar novos itens a uma agenda de problemas já extensa. Irritar a China e abrir uma frente de animosidades com países árabes ou com ambientalistas seria um desnecessário desvario. Não precisamos de novos problemas, precisamos de novas soluções. O sucesso dependerá de um governo com clareza de propósitos, unidade na execução de objetivos, sintonia com os anseios de todos os brasileiros e respeito às instituições democráticas. É improvável.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com