O Estado de São Paulo : 28.05.2018

Esquecemos de combinar com o resto do mundo. Depois de anos de letargia, a economia internacional finalmente mostra sinais de inquietação. Entre agosto de 2007 e dezembro de 2008, a taxa básica de juros dos Estados Unidos caiu de 5,25% para meros 0,25% ao ano. Na sequência, o Banco Central americano manteve a taxa-alvo em 0,25% por nada menos que sete longos anos. A subida para 0,5% ocorreu apenas em dezembro de 2015. Desde então, estas taxas foram elevadas com temperança até atingirem o patamar atual de 1,75% ao ano, um terço do patamar em que estavam antes da crise. Os sinais do mercado nestas últimas semanas são muito claros: esta moleza está acabando.

Juros baixos são uma benção para países pobres e endividados. Para aplacar a crise de 2008, os principais bancos centrais do mundo também resolveram comprar diretamente papeis públicos e privados, inundando o mundo de recursos. Esta pletora de dólares roda, roda e acaba inflando as reservas internacionais de muitos países, inclusive o Brasil. Neste período de vacas com sobrepeso, nossa agenda mudou. Deixamos de falar de dívida externa. Nos primeiros anos do século XXI, para cada dólar de reservas internacionais, o Brasil tinha cerca de cinco dólares de dívida externa. Esta relação despencou e hoje as reservas são 22% maiores que a dívida. A liquidez é tão grande que mesmo a Argentina, que reluta em sair do século passado, chegou a colocar no mercado internacional US$ 2,75 bilhões em títulos com prazo de 100 anos. Esta tolerância não existe mais. A era dos juros baixos está acabando, o que estreita o raio de manobra e reduz a capacidade de fazermos bobagens impunemente. Juros mais altos lá fora significam dólar mais caro aqui, pela simples razão de que especular com a moeda brasileira ficou mais arriscado – até porque os juros aqui caíram muito. A diferença entre as taxas básicas de juros no Brasil e nos Estados Unidos está hoje em 4,75 pontos percentuais. Há pouco tempo, em novembro de 2015, era de 14 pontos. Isto reduz a atratividade do real. Uma pequena desvalorização e o ganho derivado desta diferença vai para o ralo.

A desvalorização cambial até agora pode ser explicada, na sua maior parte, pela mudança do cenário internacional. Este é o primeiro ato. O segundo será quando a dinâmica do câmbio passar a refletir as próprias idiossincrasias típicas da campanha eleitoral. Podemos nos mirar no exemplo da Turquia – ainda que os erros dos outros poucos nos ajudem, já que não aprendemos sequer com os nossos. Em visita recente a Londres, o presidente Erdogan teve a oportunidade de divulgar sua visão excêntrica sobre as taxas de juros. Para ele, juros altos são a causa da inflação, não uma maneira de combate-la. Advogou também a vassalagem do Banco Central ao presidente, já que é este quem tem a responsabilidade última pelo estado da economia. Estas afirmações podem pegar bem no eleitorado (a eleição para presidente é no próximo mês), mas ajudaram a provocar uma desvalorização da lira turca de 10%, o que forçou o banco central daquele país a elevar os juros em três pontos percentuais, para 16.5%. Alguém pode imaginar Bolsonaro ou Ciro Gomes falando semelhante estultice?  Não requer muito esforço. É bom lembrar que em outubro de 2002, quando Lula ainda era Lula, o dólar, atualizado pela variação do IPCA, bateu em R$ 9,74. A solidez das nossas contas externas hoje é outra, o volume de reservas internacionais é mais de dez vezes maior e isto não vai se repetir. Mas se ficar claro que o próximo presidente do Brasil tem ideias estranhas a respeito do funcionamento da economia, não há dúvida que o mercado terá um outro chilique.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com