O Estado de São Paulo: 25.12.2017

Tudo somado, o ano de 2017 foi  marcado por felizes coincidências. Há quem advogue, até com boa fé, que a recuperação da economia reflete a adoção de políticas econômicas corretas, que equacionaram o problema fiscal e libertaram a economia da recessão. Menos, menos. É fato que a agenda econômica mudou de forma relevante no governo Temer. Abandonar as excentricidades da Nova Matriz Econômica foi um passo decisivo para que o Brasil pudesse se ver nu diante do espelho. Jogar luz sobre a crise fiscal e a dívida pública que não para de crescer já é um grande avanço. Mas a retomada do crescimento também deve muito a eventos que nada tem a ver com a condução da política econômica.

O cenário internacional, por exemplo, tem sido complacente com a nossa mixórdia fiscal. Mesmo com a ligeira elevação das taxas de juros internacionais, a previsão do FIM para o crescimento da economia mundial em 2017 é de 3,6%, acima dos 3,2% registrados no ano passado. O comércio mundial, de acordo com a WTO, deve crescer também 3,6% neste ano, quase o triplo do mirrado crescimento de 2016, que não passou de 1,3%. Isto ajuda a explicar a elevação no preço das commodities. Na média dos primeiros dez meses de 2017, o índice da revista The Economist subiu 6,5% em relação ao mesmo período do ano passado, revertendo a forte queda no biênio 2015-2016, quando recuou nada menos que -17,7%. Isto favoreceu o Brasil. De acordo com a Funcex, o índice de preços das exportações brasileiras cresceu 13,7% entre maio de 2016, mês da posse de Temer, e outubro último. Da mesma forma, o EMBI, índice que mede o risco de papeis de países emergentes, calculado pelo JP Morgan, recuou 3,7% em 2016 e nada menos que 13,4% em 2017. Tudo isto é bom e nada disto tem a ver com escolhas que fizemos ou decisão que tomamos.

Mais que o cenário internacional benfazejo, a contribuição da safra agrícola foi fundamental. Pelos números da Conab, a safra recente alcançou 238 milhões de toneladas de grãos, o que representa um impressionante salto de 28% em relação ao volume colhido em 2016. Foram as condições climáticas excepcionais – não a política governamental – que permitiram este feito. O resultado foi uma queda inaudita nos preços dos alimentos. A variação anual do IPA- OG de Produtos Agropecuários, calculado pela FGV, foi de -14% em novembro último. O valor da cesta básica calculada pelo DIEESE recuou 6% nos últimos doze meses. O preço do feijão mulatinho, que pouco se importa com a ancoragem das expectativas patrocinada pelo Banco Central, caiu 44% (depois de ter subido mais de 100% no ano passado). Tudo isto ajuda a explicar porque o IPCA despencou e fez os economistas errarem feio suas previsões. Em dezembro do ano passado, a expectativa da pesquisa Focus era de uma inflação de 4,9% em 2017. O índice deve ficar em 2,8%. Menor inflação abriu espaço para o corte nos juros. Juros mais baixos alavancam o crescimento da economia, seja pela menor carga de despesas financeiras de empresas e famílias, seja pela maior disposição de tomar crédito novo. O comprometimento da renda das famílias com o serviço da dívida ainda é alto, mas está no menor nível desde março de 2011.

Da sua parte, o governo fez o que pôde. E pôde pouco. Acabou gastando as moedas que guardou na algibeira para convencer congressistas a rechaçarem as denuncias da Procuradoria Geral, com o que ficou sem ter o que oferecer para aprovar a reforma da Previdência. Sem alteração nas regras previdenciárias, o teto de gastos não será viável, o que torna o crescimento de 2018 algo provisório. Também pisou na bola ao aceitar um reajuste despropositado para os salários do funcionalismo. 2017 foi um ano clemente. O acaso nos favoreceu e nos ajudou a sair da recessão. Mas 2018 tem cara de que vai depender de nós mesmos, das nossas escolhas. É aí que está o perigo.

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com