O Estado de São Paulo : 18.09.2017
Os economistas são ruins de previsão. Seus modelos não geram resultados muito diferentes do que conseguiria Madame Tania, que lê tarô, joga búzios e custa menos. Às vésperas do crash da bolsa de Nova Iorque em 1929, Irving Fisher, considerado o maior economista americano de todos os tempos, afirmava que os preços das ações tinham alcançado um patamar “permanentemente alto”. Não foi bem assim. Hoje no Brasil, com ferramentas sofisticadas, não fazemos melhor. Em agosto do ano passado, os economistas consultados pelo Bacen acreditavam que a inflação dos doze meses seguintes ficaria em 5,28%. Pois o IPCA anualizado cravou 2,46% no mês passado, o mais baixo desde fevereiro de 1999 e menos da metade do que havia sido previsto. Este erro não é pequeno, mesmo para o padrão brasileiro. Trata-se de uma diferença de 2,82 pontos percentuais. Entre janeiro de 2010 e agosto último, a média do erro nas previsões de inflação foi de -0,98 pontos. Um acontecimento histórico nos pegou de surpresa.
Alguém poderia pensar que esta queda decorre apenas das altas taxas de juros. Com efeito, os juros medidos pela taxa Selic ficaram 9,6¨acima da inflação no acumulado de doze meses até agosto. Desde fevereiro deste ano, os juros reais estão acima de 9% ao ano, as mais altas taxas dos últimos dez anos, para gáudio dos investidores e comiseração de quem deve. Não se deve subestimar o impacto avassalador da política de juros altos para as famílias e para as empresas. Eles contraem o consumo, inibem os investimentos, inflam a dívida pública, forçam o ajuste de custos via desemprego e derrubam a arrecadação, tornando o ajuste fiscal ainda mais difícil. Para piorar ainda mais, juros altos concentram a renda, já que os investidores dele se beneficiam justamente quando o restante da sociedade enfrenta o flagelo da recessão. Foram os juros altos que derrubaram a inflação? É exagero dizer que eles foram um mal desnecessário, até porque ajudaram a sinalizar expectativas, mas o principal fator que explica a inflação muito baixa que vivemos hoje foi o excepcional desempenho da safra agrícola. A variação anual do índice de preços no atacado de produtos agropecuários, calculado pela FGV, despencou de 27,4% para -16,7%, um mergulho de 44,1 pontos percentuais. No rastro desta queda, o item “Alimentação no Domicílio” do IPCA passou de uma inflação anual de 16,8% em agosto de 2016 para -5,2% em agosto último. Como este item pesa cerca de 15% do índice total, isto significa uma contribuição de mais de 3 pontos percentuais na queda do IPCA, algo como metade da queda total da inflação. Com a economia indexada e dado o farto volume de crédito subsidiado, a política monetária é pouco eficaz. Custa muito e entrega pouco.
Já que a sorte nos sorriu, resta agora cortar os juros, rapidamente. No ano passado, o governo imaginava que com uma política fiscal austera e a aprovação do teto para aumento dos gastos públicos a confiança dos agentes econômicas seria restabelecida e os investimentos puxariam a retomada do crescimento. Não foi o que aconteceu. A austeridade deixou a desejar, como mostra o aumento da folha de pagamento do funcionalismo de 12% nos últimos doze meses. A aprovação do teto, por sua vez, está sob crescente risco, já que sem a reforma da Previdência – hoje muito difícil – haverá enorme pressão para mudança desta regra. Os investimentos, por fim, não decolaram, não só porque o programa de concessões é coordenado por um ministro que tem outras prioridades (não ser preso, por exemplo), mas porque há ainda grande capacidade ociosa. Ainda assim, o crescimento está aí, puxado por um tímido aumento do consumo, que tem muita relação com a queda da inflação. Reduzir os juros de forma significativa – abaixo de 7% – é a única forma no momento de dar um mínimo de consistência à recuperação que se esboça.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com