O Estado de São Paulo: 4/9/2017
Segundo consta, se um sapo, coitado, for jogado em uma panela de água que está fervendo, ele vai tentar pular para fora. Se, no entanto, ele for colocado na panela enquanto a água ainda está fria e o fogo for aceso, ele se deixará cozinhar sem esboçar nenhuma reação. Esta metáfora é muitas vezes usada para chamar a atenção para a incapacidade de se reagir a uma situação de progressiva e paulatina deterioração, o que, evidentemente, remete à situação recente da economia brasileira. Depois de anos de quotidiano perecimento, é preciso tomar distância para aferir de forma comparativa o tamanho do estrago. Tomemos a indústria brasileira, por exemplo. A produção da indústria de transformação caiu 2,2% nos últimos doze meses terminados em junho, contra igual período anterior. Como a queda foi de 6% em 2016 e quase 10% em 2015, pode-se concluir que o pior já passou. De fato, em relação ao primeiro trimestre do ano, a produção do segundo trimestre aumentou 9%, o que é um alento. Visto de longe, o quadro muda e revela todo nosso infortúnio. A produção industrial de junho de 2017 foi ainda quase 5% menor que a de outubro de 2002, quase quinze anos atrás. É bom repetir: estamos hoje com uma produção industrial menor do que quando Lula foi eleito pela primeira vez, quando Dida era goleiro do Corinthians, o litro de gasolina custava R$ 1,73 e as pessoas seguiam a novela “Esperança” na rede Globo.
A hecatombe ficou mais nítida recentemente. Do pico da indústria de transformação em outubro de 2013 até junho último a produção declinou robustos 24%, muito mais que a queda do PIB – que já foi uma tragédia. A Carta Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) de agosto de 2017 mostra que os setores da indústria com alta intensidade tecnológica, justamente os que produzem bens de maior complexidade, com extensas cadeias de valor e maior efeito de encadeamento, sofreram ainda mais. Tamanha destruição não se deu por acaso. Trata-se do efeito concatenado de equívocos em série de política econômica. O populismo cambial do governo Lula, por exemplo, barateou as importações e sucateou parte da indústria. As importações de bens de capital entre 2003 e 2013 subiram nada menos que 491%. Na sequência, o governo Dilma engendrou a Nova Matriz Econômica que redundou na maior recessão de que se tem notícia. O resultado é uma enorme queima de capital, o que tornará nossa recuperação lenta e penosa. Ainda que não seja aconselhável misturar fontes primárias de dados, um pequeno exercício poderá indicar a extensão desta destruição de capacidade produtiva. Entre junho último e junho de 2013, a utilização da capacidade instalada, medida pela CNI, caiu 5,2 pontos percentuais. No mesmo período, a produção, de acordo com o IBGE, recuou 15%. Cruzando os números, pode-se concluir que houve uma destruição de capacidade produtiva da ordem de 10%.
A metáfora do sapo é falsa. Não passa de uma crendice tola. Se o sapo cair na agua fervente, ele vai morrer. Se ele for cozinhado lentamente, tentará escapar da panela. Mas se fosse verdade serviria para ilustrar a nossa experiência dos últimos anos. Estamos nos deixando sacrificar, lentamente, pelo conluio entre ideias erradas e interesses corporativistas que assaltam os cofres de um governo encurralado. Nossa percepção está amortecida. Nosso desalento nos anestesia. Sair deste torpor exigirá lideranças políticas capazes de engendrar acordos que escolham os perdedores que pagarão pelo ajuste fiscal. Em geral, a visão de que no passado tivemos uma vida melhor não é verdadeira. O mundo melhorou mundo nos últimos anos. Mas no Brasil de hoje é difícil escapar deste saudosismo, ainda mais quando reparamos que a cadeira que um dia foi de Ulisses Guimarães está hoje ocupada pelo deputado Andre Fufuca. Assim fica mais difícil pular para fora da panela.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com