O Estado de São Paulo : 21.08.2017
A desajeitada coreografia que marcou a elevação da meta para o déficit fiscal em 2017 mostrou que o nó da crise fiscal vai ficando mais apertado. É bom lembrar que o governo jogou a toalha porque percebeu que não conseguiria cumprir a meta de limitar o déficit primário a R$ 139 bilhões. Trata-se de um numero gigantesco, ainda mais considerando que neste valor não estão incluídos os gastos com juros (R$ 318,4 bilhões no ano passado) e que deveríamos estar produzindo superávits primários para evitar que a dívida pública velha fosse paga com emissão de dívida nova.
Não resta dúvida que a herança maldita da Nova Matriz Econômica ainda pesa. Um dos maiores disparates do governo anterior foi acreditar que a economia poderia ser estimulada através da desoneração da folha de pagamento. Não passou de desvario imaginar que cobrar menos impostos sobre os salários poderia reverter as inconsistências crassas da política econômica de então. Não deu certo e custou caro. Muito caro: de acordo com cálculos da Receita Federal, entre 2012 e 2017 o governo federal deixará de arrecadar mais de R$ 85 bilhões com o que o ministro Joaquim Levy chamou de “brincadeira”. A desoneração da folha foi uma parvoíce tão grande que mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff, que não ficou famosa por sua modéstia, admitiu ter sido este um grande equívoco do seu governo.
Afora o legado do governo anterior, a equipe econômica atual também cometeu seus pecados. Se o ministro Henrique Meirelles quiser se penitenciar de algum equívoco no futuro terá à sua disposição o erro de ter consentido com um aumento salarial excessivo para os funcionários públicos, justamente em um contexto de queda de salário e elevação do desemprego para os trabalhadores do setor privado. Entre junho de 2016 e junho de 2017, a folha salarial do Governo Central subiu mais de 12%, para uma inflação de apenas 3%. O governo atual também errou ao superestimar o crescimento do PIB em 2017. O orçamento aprovado para este ano previa um crescimento real de 1,6% de expansão do produto. A previsão hoje é que este crescimento não passará de 0,3%. O governo errou pelo otimismo quanto ao PIB. E errou pelo pessimismo em relação à inflação. Imaginava que o produto nominal (ou seja, o crescimento real adicionado à inflação medida pelo deflator implícito) poderia crescer 9,1% em 2017, a expansão mais forte desde 2013. Vai ser muito menos que isto, o que significa que a arrecadação ficará bem aquém do previsto no orçamento.
Ao governo não resta outra alternativa agora senão escolher quem vai pagar a conta desta diferença. É doce pensar que ele poderia fazer isto de maneira indolor, combatendo os privilégios, o desperdício e a corrupção. Isto é bom, mas isto é pouco. Serviria apenas para ele se credenciar moralmente para enfrentar o problema. É preciso ir além e definir como novos sacrifícios serão distribuídos. É aqui que a coisa pega. Como o governo está encurralado, à mercê de interesses setoriais, o que já era difícil fica quase impossível. Terá que enfrentar a fúria dos funcionários públicos para postergar o reajuste salarial. Terá que se indispor com empresários para reduzir os subsídios do BNDES. Terá que segurar gastos obrigatórios e assimilar a deterioração ainda maior dos serviços públicos essenciais. Terá que encarar a ira dos exportadores com o congelamento da alíquota do Programa Reintegra. Terá, por fim, que negociar, de cócoras, a reforma da Previdência. É muita coisa para um governo impopular, que já gastou boa parte de seu cacife para negociar sua permanência no poder. Ou o crescimento econômico surpreende e impulsiona, logo, a arrecadação de impostos ou vamos ter que nos acostumar com a ideia de que haverá mudança no comando do Ministério da Fazenda, o elo mais fraco desta longa cadeia. Não resolve, mas pode ser inevitável.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com