07.08.2017 OESP
Somos cada vez mais desconfiados. Pesquisa do Ibope realizada em julho de 2017 mostra que 15% das pessoas não confiam sequer em membros da família (em 2010 este índice era de 9%). Cerca de um terço dos pesquisados confessou ainda que desconfia dos amigos, também com tendência de alta em relação a 2010. Pior ainda, o brasileiro não confia no brasileiro : 45% dos pesquisados declaram que quem nasce no Brasil não merece confiança ( este número era 40% em 2010). Quando falamos das instituições, o quadro se agrava. Apenas 14% dos brasileiros confiam no presidente da República hoje, contra 69% em 2010. Os partidos políticos e o Congresso Nacional não ficam muito atrás. O nível de confiança caiu pela metade desde 2010 e se limita hoje a 17% e 18%, respectivamente. Há, claro, uma réstia de otimismo. O Corpo de Bombeiros está em primeiro lugar no ranking das instituições mais confiáveis e cravou 86% agora em 2017. É reconfortante saber que se Brasília colocar o país em chamas, podemos contar com nossos combatentes para apagar as labaredas.
Não é difícil especular sobre as razões de tanto desalento. A esta altura sabemos todos de cor os indicadores da maior recessão de todos os tempos. Soma-se à hecatombe econômica sinais de profunda degeneração moral. Na semana passada duas bizarrices nos lembraram a que ponto chegamos. O deputado Celso Jacob foi à Câmara votar a favor do presidente Temer e voltou em seguida ao presídio da Papuda, onde cumpre pena de sete anos e dois meses. O setor privado não destoa. O vice-presidente de Integridade da BR Foods , José Roberto Pernomian Rodrigues, pediu demissão pela prosaica razão de que foi condenado a cinco anos e dois meses por fraude.
Mas nem todos estão desanimados. Desde o começo do ano, o mercado financeiro vem apresentando traços de otimismo. A bolsa subiu algo como 10% enquanto, no meio de todo o tiroteio, o real se valorizou quase 5%. Em ambos os casos, a tendência é positiva para os próximos meses. Como explicar esta desconexão entre o clima de desconsolo que afeta o cidadão e a relativa tranquilidade do mercado? No caso do câmbio, a queda do dólar é fenômeno mundial, no rastro da revisão da expectativa de que o Fed subiria rapidamente os juros. Além do cenário internacional favorável , o mercado parece também dar sinais de fadiga ao tentar entender o que acontece hoje no Brasil. Viramos um romance russo em que a cada capítulo surgem 25 novos personagens. É tão difícil quanto desinteressante acompanhar nossa crise política. Mais fácil e conveniente é acreditar na inevitabilidade das reformas sob o pretexto simplório de que, qualquer que seja o presidente, o país terá que se curvar aos fatos e, de alguma forma, resolver o problema fiscal – dado que “não há outra alternativa”. Esta visão é ingênua. Parte do princípio fatalista de que o Brasil está fadado a dar certo. Também ignora que a solução do problema fiscal implica necessariamente a revisão de direitos, já que o combate à corrupção e o corte de privilégios não bastam para resolver um déficit do governo central que supera meio trilhão de reais. Não é tarefa simples para um governo encurralado. Na falta de disposição para entender a fundo o que acontece, mais fácil é acreditar em esquemas simplificados e caricaturas da realidade. No fundo, dá no mesmo. Para o mercado, basta uma crença e uma narrativa para poder operar, comprado ou vendido. Hoje, o jogo é imaginar que o governo Temer terá ainda fôlego para comprar votos e aprovar reformas. Esta visão benigna pode mudar abruptamente, assim como faz parte da natureza de uma revoada de andorinhas alternar de repente o seu rumo. O otimismo do mercado não significa nada. Melhor seguir a novela russa, ler todos os capítulos e anotar os nomes dos novos personagens – inclusive os presos. São eles que urdirão nosso futuro.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com