O Estado de São Paulo : 01.05.2017

Os historiadores do futuro terão dificuldade em explicar o que acontece no Brasil em 2017. Vivemos hoje inusitada ambiguidade. Temos um governo não eleito, caudatário dos caprichos do acaso, que é objeto de rara impopularidade. A última pesquisa do Ibope mostra o presidente Temer com 9% de avaliações positivas. Este é o mesmo nível de “ótimo” e “bom” que o governo Dilma recebeu no final de 2015 – e deu no que deu. Esta parte é fácil entender : o número de desempregados é recorde e a economia se debate para deixar para trás a recessão mais cruel de sua história. A parte difícil é compreender porque, a despeito de sua impopularidade, o governo tem sido capaz de empurrar para frente algumas reformas liberais que poderão dar uma nova cara ao Brasil. Um desinformado poderia argumentar que as reformas caminham porque são populares. Não são. A reforma da Previdência, por exemplo, “a mãe de todas as reformas”, é rejeitada por 72% das pessoas ouvidas em pesquisa da Mindminers, em março de 2017. Apenas 11% dos pesquisados são favoráveis e 62% acreditam que a reforma terá impacto negativo na economia – se a voz do povo é a voz de Deus, Deus entende pouco de finanças públicas em países tropicais.

Outro palpite para explicar a contradição de termos reformas impopulares em um governo impopular seria acreditar que as mudanças reflitam o ideário do PMDB. O partido, afinal de contas, lançou em outubro de 2015 um programa (“Uma Ponte para o futuro”) que continha sugestões que hoje tentam se traduzir em alterações institucionais. Nada disso. O PMDB não é um partido com ideias. O próprio Temer está longe de ter posições firmes a respeito de como deva se organizar a economia brasileira. É, antes, assim como seus doutos pares, personagem melífluo, untuoso, que pauta sua ação mais pelo pragmatismo do que por princípios. Lembra o matemático Ulrich do romance de Robert Musil (“Um Homem sem Qualidades”). 

Há outros elementos que podem nos ajudar a entender esta contradição. A primeira é que a agenda liberal que a equipe econômica do presidente apresentou pode não ser a dele, mas era a única disponível quando ele tomou posse. Depois das doideiras da Nova Matriz Econômica, uma pauta liberal era a que estava à disposição para ser testada. Temer é sagaz, sabe que é melhor tentar alguma coisa. Pode não ter as respostas, mas sabe que é preciso agir e, para tanto, tem as perguntas. Em segundo lugar, quem, no futuro, se debruçar sobre 2017 deverá perceber que, ao contrário de Dilma, Temer é do ramo. Ele sabe que ideias atraem menos os parlamentares do que verbas, afagos e cargos. São práticas antigas que empurram o Brasil para a modernidade. Em terceiro lugar, o correr do tempo também aguça o senso de urgência. Não é difícil  perceber que o Brasil caminha para o precipício. Da posse da Presidente Dilma até fevereiro último, a dívida pública cresceu 116 %, enquanto a arrecadação federal aumentou 52%. Não é preciso ser um luminar para perceber que uma hora vai dar errado. Por último, é sempre possível contar com o instinto de sobrevivência dos políticos. Eles sabem que alguma coisa – qualquer coisa – deve ser tentada. Para Temer, esta é a oportunidade de não virar Sarney e, quem sabe, aparecer bonito nos livros de história. A intuição dos parlamentares, por sua vez, os leva a pensar que sem reformas o país pode ser tragado de volta para a recessão, o que torna a reeleição difícil. São interesses mesquinhos que os fazem agir em favor de mudanças. Aos trancos, sem convicção, o Brasil tropeça para frente. 

Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com