O Estado de São Paulo : 06.03.2017
Para Leibniz, filósofo alemão nascido no século XVII, o mundo é sempre ótimo porque se fosse possível haver um conjunto de circunstâncias mais favoráveis, Deus certamente teria escolhido um mundo melhor. Leibniz é a inspiração para o doutor Pangloss, personagem incorrigivelmente otimista de Voltaire. Nesta mesma linhagem, pode-se dizer que os ministros da Fazenda brasileiros devem sua inspiração ao doutor Pangloss. Tudo isto vem à tona quando se ouve o ministro Meirelles dizer que a recessão acabou e que a economia brasileira já está crescendo. Será mesmo ?
É preciso antes entender o ministro. Uma pessoa no cargo em que ele ocupa não pode ser aziaga. Se o ministro, que é engenheiro, fosse tão pessimista quanto os economistas ele alimentaria um negativismo autorrealizável . Quando todos acham que tudo vai piorar, tudo piora mesmo. Faz parte das obrigações do cargo insuflar um certo otimismo (não é preciso, porém, chegar à beira do delírio, como fazia o ministro Mantega). Em segundo lugar, mesmo em economia não há mal que sempre dure. Vários dos ingredientes da crise tendem a ser naturalmente purgados. O choque dos preços administrados, por exemplo, foi absorvido. A variação anual dos preços sob controle passou de 17,2% em janeiro de 2016 para 4,5% em janeiro último. Como estes preços pesam quase um quarto do IPCA, esta redução derrubou a inflação em 3 pontos percentuais. O mesmo ocorre com o endividamento. Cedo ou tarde, as famílias acabam encaixando as prestações no orçamento. Descontada a inflação, o valor das concessões de empréstimos para pessoas físicas cresceu 4,5% em janeiro de 2017, quando comparado ao mesmo mês do ano passado. Foi a primeira elevação em 21 meses.
Não há dúvida que a recessão está acabando. A dúvida está no fôlego da recuperação. Nunca o destino da economia esteve tão imbricado com as agruras da vida política brasileira. Política e economia caminham sempre juntas; é crassa ingenuidade pensar de outra forma. Mas a questão aqui é específica : a recuperação da economia depende agora do desenrolar da Operação Lava Jato. O mercado, sempre apressado, parece já ter descontado a aprovação de novas reformas, em especial a da Previdência. Sem ela, a regra do teto de gastos do governo não é factível e terá, em algum momento, que ser revista. Mas a aprovação destas reformas depende da capacidade de articulação do Executivo, o que, por sua vez, depende da resiliência do governo em relação às novas delações que estão prestes a ser divulgadas. Um tropeço na reforma da Previdência pode abortar a tímida recuperação econômica que se esboça. Claro que não se pode esperar a aprovação integral da proposta maximalista enviada ao Congresso. Mas é fundamental que se aprove algo de substancial que, no mínimo, sinalize a redução do rombo previdenciário. A aprovação de uma proposta desfigurada ou mesmo a impossibilidade de se votar a reforma no primeiro semestre poderá deflagrar no mercado financeiro uma reversão de expectativas. É bom lembrar que, em que pese o empenho da equipe econômica, que não tem votos no Congresso, a base parlamentar do governo não têm maiores convicções sobre a necessidade desta reforma. Se a conjuntura para aprovação é hoje favorável isto se dá mais pela conveniência de agradar o governo – e dele receber sua recompensa – do que por convencimento nas etéreas relações contábeis que caracterizam o déficit público. Resta torcer e ter fé, junto com doutor Pangloss, para que a crise política não leve a economia de volta para o buraco.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com