O Estado de São Paulo : 01.08.2016
Com o entusiasmo de quem acredita ter as convicções certas, a procuradora explica em entrevista à TV as dez medidas que o Ministério Público Federal propõe e espera ver convertidas em lei. Entusiasmada, a entrevistada vai além e avança o argumento que lhe parece definitivo: estudos demonstram que o ganho com o fim da corrupção pode alcançar R$ 200 bilhões. Nada mal. Quer dizer, então, que acabando com a corrupção o ajuste fiscal poderia ser feito de forma suave, sem alterar direitos, sem impor perdas, apenas coibindo o que está errado? Será mesmo?
Há copiosa literatura econômica sobre a tentativa de medir o impacto econômico da corrupção. Desde o estudo pioneiro de Paolo Mauro em 1995 (“Corruption and Growth, Quarterly Journal of Economics”) ,muitos outros economistas desenvolveram modelos quantitativos que buscam esta mensuração. Estudo mais recente de A. Dreher e T. Herzfeld (“ The Economic Costs of Corruption: A Survey and New Evidence”, 2005), sugere, por exemplo, que um aumento de um ponto percentual na corrupção implica uma queda do PIB de 0,13%.
O tema, no entanto, é tão espinhoso quanto controverso. A própria definição de corrupção não é trivial. Um hábito moralmente aceito em algum país asiático, por exemplo, pode ser considerado prática delituosa na Escandinávia. Problema ainda maior é como medir a corrupção. A alternativa mais comum é aferir não a corrupção propriamente dita, o que é impraticável, mas sua percepção – e acreditar que estas duas variáveis tem comportamento paralelo. Mas isto não é verdade quando, por exemplo, um país passa por uma fase de grandes escândalos, o que pode provocar um aumento na percepção de corrupção ,ao mesmo tempo em que sua prática fica mais difícil e menos provável. Este é o caso do Brasil hoje. A Transparência Internacional publica anualmente o Índice de Percepção de Corrupção, talvez o mais conhecido destes índices. Em 2015, o Brasil ficou em 76º lugar em uma lista de 168 países, com 38 pontos em uma escala de 0 a 100 (a Dinamarca ficou em primeiro, com 91 pontos). Em 2012, o Brasil estava em 66º lugar, com 43 pontos. No ano passado, ficamos na mesma colocação que Burquina Faso, Tunísia e Zâmbia e atrás de Ruanda, El Salvador e Senegal. Um otimista afeito à linguagem adocicada dos livros de autoajuda corporativa diria que “há muitas oportunidades de melhoria”. Na verdade, é uma tragédia.
Os modelos que tentam medir quantitativamente o impacto da corrupção apuram, para um conjunto de países em um determinado ano, a relação estatística entre índice de percepção de corrupção e o desempenho econômico. Concluem, em geral, que esta relação está negativamente correlacionada e, portanto, uma queda de x% na corrupção pode induzir a um crescimento de y% no produto. Há aqui várias questões metodológicas. Esta relação pode ser alterada, por exemplo, variando o numero de países no painel ou o ano de apuração. Pode também mudar pela especificação do modelo, linear ou exponencial. Os resultados variam muito e podem até mesmo uma apontar correlação positiva. Em artigo publicado em 2001, R. Barreto , da Universidade de Adelaide, Australia (“ Endogenous Corruption,Inequality and Growth: Econometric Evidence”), usa um modelo com três equações simultâneas calculadas pelo método de mínimos quadrados em dois estágios para concluir que a corrupção pode estar positivamente correlacionada com o crescimento da economia (mais corrupção implica mais crescimento) , o que fere o senso comum. Outra complicação metodológica que afeta a confiabilidade destes modelos é a necessidade de isolar a corrupção de outras variáveis. Pode-se argumentar sem dificuldade que a corrupção é sintoma da fragilidade das instituições que asseguram o império da lei e que é esta debilidade, não a corrupção, que explica o entrave ao crescimento econômico. Os economistas respondem com modelos mais sofisticados, sem, no entanto, dissipar a controvérsia.
A conclusão aqui é dupla. A primeira é que medir o custo da corrupção é tema polêmico e seus resultados são inconclusivos. A segunda é que isto não tem a menor importância. A corrupção é um mal e seu combate é um objetivo meritório em si mesmo; não é preciso descobrir nenhuma funcionalidade para justifica-lo. Aqui cabe a distinção clássica de Kant entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O combate à corrupção é um dever moral fundamental e incondicional, que prescinde de justificativa econômica. Não é um meio para se atingir um objetivo; é um objetivo em si mesmo. Acreditar na funcionalidade econômica do combate à corrupção traz ainda um potencial efeito deletério. Pode estimular a crença de que o ajuste fiscal que se procrastina seria indolor. Não será. O equacionamento do crescente déficit público exige necessariamente a escolha de perdedores. O equilíbrio das contas do governo exigirá uma engenhosa combinação entre redução de gastos públicos (logo, por definição, de receitas privadas) e aumento de impostos (de novo aqui onerando o setor privado). Não há mágica. A questão – política, por definição – é escolher quem pagará a conta. Grupos beneficiados se articulam para vender a ideia que o problema fiscal pode até ser importante, mas “não é comigo”. Melhor apontar outros candidatos a pagarem a conta do ajuste ou sonhar com a solução idílica de que basta combater a corrupção, os privilégios e o desperdício. Convém não misturar as coisas. Combater a corrupção é urgente, necessário e essencial. Mas o ajuste das contas públicas só virá quando formos capazes de engendrar um novo pacto fiscal, o que, na ausência de uma liderança política incontroversa, parece ainda distante.
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com