O Estado de São Paulo : 18.04.2016
Wanderson tem 22 anos e mora na periferia de São Paulo. Como vários jovens cujo nome começa com W e acaba com N, Wanderson está desempregado. Não faz muito tempo, sua vida era diferente. Trabalhava, namorava, tinha uma moto e fazia faculdade à noite. Não aprendia muita coisa, mas tinha o sonho de ser o primeiro da família a completar um curso superior. Perdeu o emprego, a moto foi tomada por falta de pagamento e o financiamento do FIES não foi renovado – o sonho morreu, mas a dívida dos primeiros anos da faculdade continua viva. A namorada foi embora (“O dinheiro compra até amor verdadeiro”, dizia Nelson Rodrigues, mas a máxima, claro, não se aplica a Wanderson). Seu caso é corriqueiro. De acordo com a Fundação Seade, a taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo para jovens entre 16 e 24 anos passou de 21,6% em fevereiro de 2014 para 31% em fevereiro último. Nada menos de 44,2% dos desempregados estão nesta faixa etária. Estimativa da Hoper Educação indica que o número de alunos matriculados em cursos presenciais de graduação deve cair 15% em 2016 , quando comparado a 2014, de 4,7 milhões para 3,9 milhões.
Longe de ser uma fatalidade, a saga de milhões de jovens hoje é fruto de suculentos erros de política econômica nos últimos anos. Mas o futuro desta geração pode ser ainda mais comprometido se não formos capazes de corrigir, rápido, as enormes distorções que caracterizam o sistema previdenciário brasileiro. No regime de repartição que adotamos, os aposentados de hoje são financiados pela população economicamente ativa. Quanto mais generosos os benefícios agora, maior a conta para as gerações mais novas. O Brasil envelheceu antes de ficar rico. Segundo o IBGE, a população com idade superior a 60 anos é hoje de 23,9 milhões, número que deve saltar para 66,5 milhões em 2050, quando Wanderson pensa em se aposentar. Como o numero de jovens deve cair neste período, a razão de dependência , ou seja, o número de ativos por idoso, deve despencar de 9,3 em 2013 para apenas 2,8 em 2050 e 2,3 em 2060. Serão menos contribuintes e mais beneficiários.
A demografia desfavorável pressionará ainda mais um sistema que já dá sinais de colapso. Entre 1995 e 2015, as despesas do INSS passaram de 4,6% para 7,4 % do PIB. Em valores nominais isto significa um salto de 1245%, de R$ 32,5 bilhões para R$ 437 bilhões. Descontada a inflação, o crescimento neste período foi de fantásticos 6,92% ao ano. A este ritmo, os gastos do INSS quase dobram a cada 10 anos. Mas as despesas devem acelerar justamente porque a população mais velha cresce a uma taxa muito alta. Somando ao INSS os dispêndios com servidores públicos das três esferas de governo, o gasto alcança 11% do PIB. Mesmo sendo um país mais jovem, o Brasil gasta em demasia com Previdência. Alemanha e Japão também gastam algo como 11% do PIB, mas nestes países a proporção de pessoas com mais de 65 anos é de, respectivamente, 21% e 23,7% do total, enquanto aqui está em 7%.
É preciso mudar. É preciso mudar logo. Mas mudar o que? Dois pontos são fundamentais. Em primeiro lugar, é preciso estabelecer uma idade mínima de aposentadoria. Hoje, a idade média dos aposentados por tempo de contribuição é de 55 anos para os homens e apenas 52 anos para as mulheres. No México, por exemplo, a idade mínima é de 65 anos para ambos os sexos. O sistema atual não previa que a expectativa de vida ao nascer passaria de 43 anos na década de 40 para 67 anos quando Wanderson nasceu. Outro ponto crucial é acabar com a indexação das aposentadorias ao salário mínimo. Nos últimos dez anos, o salário mínimo deflacionado pelo IPCA cresceu 58,2%, contra 30,7% do PIB. Este aumento contamina progressivamente o piso da Previdência e faz a classe média, equivocadamente, ter a impressão que ganha menos, já que em número de salários mínimos (um metro que tem mais que 100 centímetros) sua aposentaria foi reduzida. Em trabalho recente (“ Progressividade e Aspectos Distributivos na Previdência Social”), Luis Eduardo Afonso utiliza registros administrativos do Ministério da Previdência Social de 35 000 pessoas nascidas entre 1930 e 1960 para quantificar os aspectos distributivos e a progressividade dos benefícios de aposentadoria. Uma de suas conclusões é que a taxa de reposição , ou seja, a relação entre o primeiro benefício previdenciário e o último salário na ativa alcança 82,5%. Este número é muito maior que no Japão (36,3%), na Alemanha (42%) ou Estados Unidos (42,3%). O mais curioso é notar que esta proporção alcança 101,42% para o grupo dos 25% mais pobres. Ou seja, nesta faixa a primeira aposentadoria é maior que o último salário. Isto não faz o menor sentido. A função precípua da previdência não é assegurar promoção social.
Mudar o sistema previdenciário é tão urgente quanto difícil. No regime em que os jovens financiam os mais velhos, são estes últimos que dão as cartas e pressionam politicamente as decisões. Os benefícios atuais são considerados conquistas inarredáveis. Nos seus estertores, o governo Dilma bem que tentou recolocar o tema na agenda. Mas logo ele retornou ao escaninho do esquecimento, premido pela urgência das prioridades imediatas. Um eventual governo Temer promete não fugir do assunto. Mudanças agora poderão fazer com que Wanderson tenha que trabalhar mais para se aposentar. Mas não mudar significa provocar o colapso no sistema, o que arruína as perspectivas de retomada do crescimento econômico. Em um país onde se discute anatocismo e se aprova a “pílula do câncer”, adiar a reforma da Previdência será mais um passo em direção ao obscurantismo ignaro.
Luis Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com