O Estado de São Paulo : 30.11.2015
Fazer previsões não é fácil. No filme “Blade Runner”, a Los Angeles de 2019 tinha carros flutuantes, mas as pessoas guardavam fotografias em papel, fumavam em ambientes fechados e usavam cabines telefônicas. Aqui no Brasil, onde o passado é imprevisível, o futuro parece inescrutável. Isto , no entanto, não desanima os economistas a convocarem regularmente seus babalorixás para adivinharem o que vai acontecer. Como diriam os ingleses, que fazem do eufemismo uma arte, o resultado tem sido menos que espetacular.
Entre 2010 e 2014, as previsões de inflação dos economistas do mercado financeiro colhidas com um ano de antecedência mostraram-se sistematicamente otimistas. Nos cinco anos a previsão ficou aquém do número apurado, com destaque para a diferença de 1,41 pontos percentuais entre o IPCA de 2010 (5,91%) e a previsão feita no final de 2009. As estimativas para juros são ainda mais instáveis. No final de 2009, os economistas estimavam que a taxa Selic no final de 2010 seria 10,75% . Não deu outra: 10,75! Durou pouco a alegria. Para 2011 a previsão era de 12,25%, bem acima do que de fato aconteceu (11%). Em 2012, os economistas superestimaram a Selic em 2,25 pontos. Em 2013, o erro foi ao contrário; 2,75 pontos abaixo da realidade. No ano passado, os economistas novamente subestimaram a taxa. E o câmbio ? A pontaria aqui é ruim também. Por três anos consecutivos, entre 2010 e 2012, os economistas previram que o câmbio fecharia em R$ 1,75. Lembra a tática de apostar sempre nos mesmos números da loteria. Nem assim deu certo. Neste período, o dólar passou de R$ 1,67 para R$ 1,88 e depois R$ 2,04, sem parar em R$ 1,75. Para 2013, a previsão era de R$ 2,09 – deu R$ 2,34. Nova subestimativa em 2014, quando o dólar fechou em R$ 2,66, para uma estimativa de R$ 2,45. As previsões para 2015 foram ainda piores. Visto do final de 2104, 2015 até que não seria tão ruim. A inflação ficaria em 6,6%, com câmbio e Selic no final do período em R$ 2,80 e 12,25%, respectivamente. Faltou combinar com a realidade. A inflação deve passar de 10%, os juros ficarão em 14,25% e o dólar ronda os R$ 4,00. Tudo errado, bem errado.
Por que é tão difícil? P. Tetlock e D. Gardner publicaram este ano um livro que joga alguma luz sobre esta questão (“Superforecasting : The Art and Science of Prediction”). A obra relata uma experiência patrocinada por uma agência de inteligência americana (IARPA) que recrutou 2800 voluntários, não especialistas, que passaram a fazer previsões sobre centenas de questões objetivas de geopolítica. Logo ficou claro que existia um pequeno conjunto de pessoas que conseguia sistematicamente superar as previsões dos melhores especialistas da própria agência. Testes estatísticos demonstraram que não era uma questão de sorte. O que este grupo de elite tinha de diferente? Apesar de os testes de QI indicarem que tinham uma inteligência acima da média, os participantes deste grupo não poderiam ser considerados gênios. Mas eles tinham em comum alguns traços de personalidade. Em primeiro lugar, não eram escravos de paradigmas, teorias ou grandes ideias. Ao contrário, procuravam evidências que contrariassem suas crenças e prestavam atenção nos argumentos contrários. Em outras palavras, eram pessoas que adotam uma postura intelectual humilde, sempre raciocinam em termos de probabilidade e estão preparados para mudar de ideia e aprender com os erros. É difícil reconhecer nos economistas estas características – o que pode ser uma explicação para o fato das previsões serem ruins. Vale também lembrar que os palpites coletados pelo Bacen são informação pública, o que leva os economistas consultados a se comportarem como um grupo. O livro de C.Sunstein e R. Hastie “Wiser: Getting Beyond Group Thinking to Make Groups Smarter”) , também publicado em 2015, analisa com muita propriedade como as decisões em grupo são tomadas. Ao contrário do senso comum, eles concluem que estas decisões tendem a exacerbar as opiniões individuais, amplificando erros de julgamento. Os participantes são vítimas de um ‘efeito cascata’, já que cada um tende a seguir o que acha que a maioria dirá – neste jogo, o pior pecado é errar sozinho. Discordar pode sair caro. Melhor errar com todos e depois explicar a razão. Para tanto, é sempre possível se socorrer dos artifícios da linguagem. Em geral, as previsões são feitas na primeira pessoa (“Nos estimamos um dólar de R$ 2,80 no final de 2015”) enquanto os fiascos são, a posteriori, explicados na terceira pessoa (“ao contrário do que se previa…” ).Este “se”, lembre-se, é chamado gramaticalmente de “índice de indeterminação do sujeito”. O Banco Central ganharia se deixasse de ignorar as apostas dos tesoureiros e ‘traders’, que são mais ecléticos e manifestam suas expectativas através da formação de preços nos mercados futuros. Ainda que sujeitos ao efeito manada e a distorções provocadas pela falta de liquidez, estes agentes são mais pragmáticos e menos afeitos a grandes teorias econômicas, o que, pela pesquisa de Tetlock e Gardner, aumenta a chance de êxito.
Previsões mais acuradas poderão melhorar a eficácia do regime de metas de inflação. Mas isto, claro, se subordina a um problema mais amplo : na ausência de disciplina fiscal, a taxa de inflação será o que tiver que ser. O Banco Central tem pouco a fazer em uma situação em que o governo não sabe nem o que quer nem o que pode. No final do ano passado, a meta fiscal para 2015 era de um superávit de R$ 66,3 bilhões. Hoje ela pode chegar a um déficit de R$ 119 bilhões. Com o governo chacoalhando o alvo desta forma, fica impossível acertar.
Luis Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com