O Estado de São Paulo : 16.09.2013
A guerra cambial acabou? Quem venceu? Não faz muito tempo, o governo brasileiro atribuiu aos países ricos a culpa pela forte valorização das moedas dos países emergentes. É claro que o Ministério da Fazenda também admitia, com mal disfarçado orgulho, que a o real forte comprovava também os supostos sólidos fundamentos da economia brasileira, com o que o tema ganhava uma ambiguidade muito encontradiça nos discursos oficiais. Chegamos a comemorar que a economia brasileira já era a sexta maior do mundo, algo que não teria sido possível sem o inchaço dos números que decorreu da desvalorização do dólar. Estranha guerra esta em que há tempo para celebrar as derrotas. Ou estávamos do outro lado?
O fato é que o mundo mudou e o dólar mudou com ele. Nem foi tanto assim. A primeira vez que a cotação bateu em R$ 2,40 foi em junho de 2001, há mais de doze anos. Atualizado pelo IPCA, este valor seria hoje R$ 5,20. Descontando a inflação dos nossos parceiros comerciais, ponderada pelo volume de comércio, o dólar de meados de 2001 estaria em R$ 4,02. Também a volatilidade não é inédita. Volatilidade é uma medida de dispersão que não pode ser aferida intuitivamente. Calculada pela média móvel de 22 dias, a volatilidade do câmbio nas últimas semanas alcançou 18%, bem menos que os 29% de novembro de 2011, quando o dólar estava ainda em R$ 1,76. Ainda assim, é outro mundo. No período da “guerra’, o aumento do consumo vazou para produtos importados barateados pela valorização cambial, impedindo que a demanda anabolizada se transformasse em mais inflação. Foi possível estimular o crédito, cuja expansão também foi facilitada pelo redução do desemprego e pelo ganho no salário real. Foi bom enquanto durou. Gastávamos mais do que podíamos e o dólar barato driblava a inflação. Daqui para frente, tudo vai ser diferente. A única coisa que não mudou é que a culpa continua dos outros, já que no recente encontro do G-20 o Brasil acusou os países ricos de manipularem o câmbio – agora para cima – e gerarem instabilidade para os países emergentes. A parte boa de um dólar mais caro é que o desequilíbrio no balanço de transações correntes tende a ser gradualmente corrigido. A indústria brasileira ganha um alento, depois de anos sendo imolada no altar do populismo cambial. Mas a desvalorização do real também pressiona a inflação, o que exige juros mais altos, que atrapalham o crescimento e seguram o dinamismo do mercado de trabalho. A variável de ajuste será o nível de emprego, o que é péssima notícia para quem se prepara para uma disputa eleitoral. Uma falsa alternativa é não elevar mais os juros. Neste caso, a inflação vai subir e a variável de ajuste passa a ser o salário real, o que não melhora nem um pouco a situação dos candidatos oficiais.
Por que se chegou a esta escolha entre o ruim e o péssimo? Pode-se dizer que o governo foi imprevidente e deixou-se seduzir pelas vantagens eleitorais da moeda forte. Ainda que verdadeira, é uma crítica impiedosa. É razoável supor que qualquer pessoa ou instituição tenda a agir em função dos seus próprios interesses. Com o governo brasileiro não seria diferente. Deve-se entender, um tanto cinicamente, que o objetivo de qualquer governante é ganhar a próxima eleição e isto pode não significar fazer o que, a longo prazo, é a melhor opção para o país. Cabe ao eleitor calcular o valor presente das iniciativas de longo prazo e premiar com seu voto um governo que enxerga longe, mas a tendência natural entre nós é dar mais peso aos benefícios imediatos. Nestas condições, seria difícil esperar que o governo abrisse mão das benesses de curto prazo da valorização cambial, ainda que pudesse ter resistido à tentação de sorver até o talo as efêmeras vantagens do real valorizado. Este foi um equívoco compreensível. O erro crasso, porém, foi termos abandonado durante tanto tempo os investimentos em infraestrutura, algo que talvez pudesse se alinhar a uma visão ortodoxa que acredita que o mercado resolve tudo, mas que é descabido em uma gestão pautada pelo intervencionismo estatal. Estudo recente do banco Credit Suisse indica que nos últimos dez anos, o número de passageiros em voos aéreos cresceu 170%, a venda de veículos aumentou 147%, as exportações agrícolas aumentaram 140% e o fluxo de containers nos portos saltou 132%. Ainda assim, os investimentos em infraestrutura, que chegaram a 5,4% do Pib na década de 70, não passaram de 2,2% do produto na década passada, percentual que fica abaixo até mesmo da ‘década perdida’ representada pelos anos 80, quando ficou em 3,6% do Pib. Em 2011, o total de investimentos em infraestrutura como percentual do produto ficou em 2,1% no Brasil, contra 13,4% na China, 6,2% no Chile e 4,5% na Índia. De acordo com o World Economic Forum, o país ocupava em 2012 a 107ª colocação no ranking global de qualidade da infraestrutura em um painel que reúne 144 países. A qualidade dos aeroportos ( 134ª posição) e dos portos (135ª colocação) são destaques. Este quadro comparativo tem piorado nos últimos anos. É fato que o governo lançou o PAC em 2007. Mas este programa contemplava apenas 20% das necessidades de investimento – e menos da metade foi efetivamente realizado.
O descaso com a infraestrutura torna as escolhas mais difíceis agora. Ao contrário do que ocorreu em outros emergentes, deixamos de investir e temos hoje que conviver com gargalos que bloqueiam o aumento da produtividade. Cinco anos após a quebra do banco Lehman Brothers, o mundo desenvolvido lentamente sai da crise. Deveria ser uma boa notícia para nós, mas não é. A guerra cambial acabou. O governo venceu. O Brasil perdeu.
(*) Economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com.