O Estado de São Paulo : 29/05/2012

Confirmadas as previsões consensuais para 2012, o Brasil terá crescido 45% nos últimos dez anos. Isto é, coincidentemente, a mesma taxa de crescimento da economia mundial. Nem mais, nem menos. Será mais que as economias desenvolvidas e menos que outros países emergentes. Nos dez anos terminados em 2012, a China terá crescido nada menos que 160%. Não, o Brasil não é a China. Crescemos com o mundo e como ele – não lideramos nada. Esta constatação conflita com a sensação de que vivemos um crescimento vertiginoso, o que  pode ser explicado por duas comparações. Em primeiro lugar, com nós mesmos. Pode não ser muito crescer ao mesmo ritmo da economia mundial, mas o fato é que rompemos, finalmente, o ciclo de estagnação que nos acompanhou durante muito tempo. Basta lembrar que a renda per capita brasileira de 2003 foi menor – sim, menor – que o mesmo indicador para 1980. Em mais de duas décadas, caminhamos para trás.  A segunda comparação que nos conforta é com os países ricos. Nos últimos anos, os EUA cresceram a um ritmo que é menos que a metade do crescimento brasileiro. O passo de cágado dos países ricos permitiu que a economia brasileira se transformasse na sexta maior do mundo.

Mudamos bastante, mas o mundo mudou mais do que nós. Três novidades, reciprocamente imbricadas, marcaram a alteração do cenário internacional: o forte aumento nos preços das commodities, taxas de juros excepcionalmente baixas e uma elevação exponencial da liquidez. Tudo somado, o quadro é benigno para o Brasil – o que equivale a dizer que nosso crescimento se deveu muito às circunstâncias internacionais sobre as quais não temos nenhum controle. Mesmo o ‘tsunami monetário’, com seu impacto deletério sobre a competitividade da indústria, tem seu lado funcional. Medido por uma cesta ponderada de moedas, o dólar nos últimos dez anos se desvalorizou 30% contra o real. Apenas para manter o mesmo nível do início de 2002, o dólar deveria estar valendo hoje R$ 2,56. Foi o dólar barato que abriu espaço para que a economia crescesse de forma acelerada sem pressionar a inflação. O problema é que não só esta conjugação de elementos benfazejos não durará para sempre como já existem indícios de seu esgotamento.

O governo reagiu mudando o regime que norteou a política econômica nestes últimos anos. Não é pequena esta mudança. Durante anos, vivemos sob a égide de uma política de metas de inflação e cambio flutuante. Agora, para proteger a indústria local, o câmbio passou a ser administrado, ao passo que os juros reais caíram a níveis historicamente muito baixos. A rentabilidade líquida real de títulos púbicos prefixados está em 1,4% ao ano, menos de um terço do que era há doze meses. Juros mais baixos e câmbio mais alto vão garantir um crescimento acelerado nos próximos anos? A resposta é não. Juros menores podem encurtar o período de ‘digestão’ do aumento do endividamento dos últimos anos. Tal como no desenho da cobra que engoliu o elefante, de Saint Exupery, o consumidor  precisa de tempo para pagar suas dívidas,  respirar fundo e se endividar novamente. O câmbio mais alto, por sua vez, alivia as agruras de curto prazo da indústria, mas ameaça a inflação e não estabelece um novo padrão de crescimento. Para que os próximos anos sejam exitosos, será preciso uma forte expansão do investimento. Mas isto exige desaceleração dos gastos públicos, o que está fora do alcance de um governo pressionado por uma coalização desconexa e bizarra.

Não cabe esperar que o governo lidere voluntariosamente uma alteração no padrão dos gastos públicos, até porque não há consenso entre a sociedade sobre a conveniência de um Estado menor. Resta torcer para que não haja ruptura no cenário internacional, já que daqui para diante estaremos flertando com a inflação. O futuro já não é o que costumava ser.

(*) Luís Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com .