O Estado de São Paulo : 31.03.2012
O recurso à generalização é um dos artifícios comuns no esforço retórico de se rebater um ponto de vista. Para qualquer discussão, é sempre tentador desqualificar o argumento oposto lançando mão da ideia de que aquilo que se propõe é apenas parte do todo, algo provisório e incompleto. Sempre, por definição, a causa-raiz de um problema pode ser mais ampla, mais abrangente e estar encaixada em uma verdade maior. Tudo é incompleto e parcial. Parece ser este o viés que marca as discussões recentes sobre as medidas que buscam proteger a indústria de transformação da concorrência predatória dos produtos importados. A crítica de que as iniciativas são tópicas e paliativas passa por cima de alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, convêm não esquecer que o ‘tsunami’ monetário que despejou uma bacia amazônica no mercado de moedas e sustentou uma valorização de quase 30% na taxa de cambio efetiva real nos últimos três anos pode ser uma maldição para a indústria brasileira (que se beneficia dela apenas pelo barateamento dos insumos importados) , mas sem este choque no preço dos produtos importados não há como imaginar o forte crescimento do últimos anos. A valorização cambial que atormenta a indústria é a mesma que permitiu que o avanço do PIB não se convertesse em inflação mais alta. Portanto, não há escolhas fáceis a esta altura. É possível, sim, promover a desvalorização do câmbio e “ganhar” a guerra cambial. Mas isto vai pressionar a inflação, erodir os salários reais e irritar os eleitores – e assim não vale. Outro ponto a ser lembrado é que nas atuais condições do nosso bizarro presidencialismo de coalizão não existe, simplesmente, nenhuma condição de se levar adiante uma agenda de reformas estruturais que ataquem as questões de fundo e acelerem a produtividade. A lista das ‘verdadeiras soluções’ é conhecida e inclui uma reforma fiscal que desonere a produção, a redução das despesas governamentais para fomentar a formação de poupança, o estímulo à inovação tecnológica, a revisão do sistema previdenciário e a reorientação do sistema educacional com o objetivo de qualificar a mão de obra. Ora, não só estes objetivos podem ser contraditórios entre si como não há, do ponto de vista da sociedade como um todo, um mínimo de consenso sobre sua oportunidade, para não falar de sua urgência.
Decerto seria altamente valioso se o governo pudesse assumir, negociar e implementar uma agenda de reformas estruturais. Ainda comemoramos o fato de o Brasil ser hoje a sexta maior economia do mundo, mas damos pouca atenção ao incômodo de que nossa renda per capita no conceito de paridade de poder de compra é a 62ª do planeta, quinze posições atrás da do México e dezessete lugares atrás da Argentina. No ritmo que crescemos nos últimos dez anos – um bom período – demoraremos ainda cerca de dez anos para alcançar o nível atual da renda per capita do México e cerca de catorze para nos igualarmos aos argentinos. Portanto, estamos atrasados e crescer mais rápido é um imperativo. Mas é ilusório pensar que um governo que foi capturado por reivindicações corporativas e que não consegue decidir qual bebida servir na festa da Copa do Mundo possa encaminhar mudanças de fundo na forma da organização da economia. A agenda que se cobra de um governo que se equilibra em uma coalizão de dezoito partidos não existe fora dele. Antes de ser um reflexo da falta de vontade política, a inapetência oficial por uma estratégia de longo prazo reflete apenas a falta de convicção da própria sociedade. Resta caminhar lentamente, aparando arestas e rebarbas. A aprovação da jornada de trabalho flexível, a criação do fundo de previdência dos funcionários públicos e o sucesso na concessão dos aeroportos mostram que mais vale dar pequenos passos do que discutir uma grande jornada que nunca acontecerá.
(*) Luís Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. luiseduardoassis@gmail.com.