O Estado de São Paulo: 24.02.2012

A imprensa deu destaque aos fragorosos erros das previsões dos analistas  para o ano de 2011. Como se recorda, o clima geral era de relativo otimismo no final de 2010, o que contaminou as expectativas para o ano seguinte. O tsunami no Japão, a crise da dívida americana e, principalmente, a ameaça de esfacelamento da unidade monetária na Europa não estavam no mapa astral usado pelos economistas. Não era assim que tinha sido combinado. O resultado foi que todos erraram “na mosca”. A expectativa para o Ibovespa para o final de 2011 chegava a 85 mil pontos no começo do ano (fechou em 56 mil), a balança comercial teria um saldo de US$ 8 bilhões (bateu em US$ 30 bilhões), enquanto o  crescimento do PIB alcançaria 4,5% (não vai chegar a 3%).  O quadro parece invertido agora neste começo de 2012. No rastro desta frustação, os analistas parecem ter carregado nas tintas e advertiram no final do ano passado para a eminência de um Armagedon econômico, com sangue, lágrimas e ranger de dentes. Algo que fará a cena final de “Melancolia” de Lars Von Trier parecer um desenho animado da Disney. Os mercados, no entanto, se esqueceram mais uma vez de seguir as previsões dos economistas. Desde que se proclamou o fim do mundo, as bolsas sobem, os spreads da dívida soberana recuam, a economia americana dá sinais de recuperação e os problemas antes insolúveis da Europa não parecem agora tão intrincados.

Já se disse que fazer previsões é muito perigoso, principalmente a respeito do futuro. Os economistas, sempre precavidos, previram cinco das últimas duas crises. A teoria econômica avançou de forma expressiva nos últimos anos no uso de técnicas quantitativas. O próprio Banco Central faz uso, e divulga de forma muito transparente, de um ‘modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral’ para previsão das variáveis que orientam a política de juros. A econometria nunca foi tão sofisticada. Mesmo assim, a bola de cristal parece tão nublada quanto antes. Por que os economistas erram tanto? Três razões podem ajudar a elucidar o enigma. Em primeiro lugar, por falta de modéstia. “Não sei” é a única resposta intelectualmente honesta para a pergunta sobre qual será a cotação do dólar ou o índice Bovespa no final de 2013. Mas o  fato é que todos esperam uma resposta e acreditam, por alguma razão, que os  economistas sejam oráculos, um elogio difícil de recusar para uma profissão tão carente de autoestima. Negar uma resposta poderia soar uma grosseria, até porque uma resposta errada pode ser consertada adiante, mais ou mesmo da mesma forma que se pode pintar um alvo na parede tendo como ponto concêntrico o lugar onde a flecha já está espetada.  Em segundo lugar, pelo menos para as variáveis financeiras, há uma distinção entre quem prevê e quem faz a realidade. Por exemplo, se para os analistas a bolsa brasileira não despertava nenhum entusiasmo no final de 2011 por que o Ibovespa registrou a maior valorização para o mês de janeiro desde 2006? Isto ocorre porque o que se chama, simplificadamente, de “mercado” está longe de ser uma entidade monolítica. Muitas vezes, o que os analistas antecipam ou sugerem discrepa da realidade dos preços pela singela razão de que não são eles que compram ou vendem.

São os ‘traders’, os tesoureiros e ‘fund managers’ que tem o mandato para tomar posições e nem sempre estas posições levam em conta as elucubrações dos economistas – que tem mais prestígio para o público externo. Por fim, da mesma forma que ocorre no mercado, também entre os analistas prevalece um comportamento de “manada”. É sempre melhor errar junto do que tentar acertar sozinho, já que errar quando todos acertam é a pior das situações. Uma explicação certa é um poderoso lenitivo para uma previsão errada, principalmente quando um cenário catastrófico não se concretizou. É melhor prever o fim do mundo – um dia vai dar certo.

(*) Luís Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP.  luiseduardoassis@gmail.com.