O Estado de São Paulo: 08.09.2011
Não é tarefa simples entender a decisão do Banco Central de cortar juros a partir da leitura da ata do Copom. O texto é essencialmente correto e seria injusto dizer que é faccioso. Reconhece-se que há indicadores de dinamismo da economia que ainda convivem com os primeiros sinais de desaceleração. Da mesma forma, e em favor da transparência, a ata deixa claro que os membros do Comitê observaram vasta gama de indicadores econômicos antes de tomarem a decisão de reduzir juros. Tudo muito correto. Até mesmo o fato de que o mercado, até aquela data, mantinha estável sua expectativa de inflação para 2001 e 2012 é citada. Nobre concessão.
Se é assim, o que o Bacen viu que ninguém está vendo ? Basicamente, dois pontos. Em primeiro lugar, a autoridade monetária atribui um peso muito maior que o consenso dos analistas à crise internacional. Não se espera, evidentemente, que o modelo (“de equilíbrio geral dinâmico estocástico, de médio porte”) que serviu de base para as inferências do governo seja discutido em público detalhadamente. Mas não fica claro porque o impacto da atual fase da crise financeira seria de um quarto do que se viu em 2008/2009 (por que não um sexto? Talvez um sétimo?). Da mesma forma, a ata não gasta tempo para tentar explicar de que forma esta desaceleração poderia se traduzir em uma inflação mais baixa nos próximos meses. De uma forma ou outra, o fato é que o Bacen está vendo uma crise internacional mais séria . O outro fantasma (este do bem) que só a autoridade monetária enxerga é uma contribuição mais efetiva de uma suposto “processo de consolidação fiscal”, que torna o “balanço de riscos para a inflação mais favorável”. Aqui a discordância com o consenso de mercado é mais grave. O anúncio de que R$ 10 bilhões do excesso de arrecadação deixarão de ser gastos não chegou a entusiasmar ninguém – mas parece ter convencido o Banco Central. Talvez por dever de ofício.
Um exercício interessante é imaginar que os juros tivessem sido mantidos em 12,5% e ler novamente a ata. Ela faria mais sentido. Com tudo que foi apontado pelo próprio Copom e sem carregar nem no pessimismo a respeito da crise internacional nem no otimismo com as contas públicas fica fácil entender porque dois dos cinco membros do comitê votaram contra o corte. O Banco Central, tradicionalmente conservador, resolveu apostar. O problema é que se ele estiver errado perdemos todos nós.
* Luís Eduardo Assis é economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP. E-mail: luiseduardoassis@gmail.com.